domingo, 27 de fevereiro de 2011

Paradoxo do Novo Capitalismo

A Carta ao leitor da Revista Exame, em sua edição de 07/11/07, intitulada “O Capitalismo chegou”, inspirada nas considerações do ex-presidente do Bacen, Armínio Fraga, de que o país vivia a “chegada definitiva do capitalismo” tenta convencer o leitor de que, finalmente, o Brasil atingiu parâmetros mínimos relacionados ao receituário de países ditos, de fato, Capitalistas, e portanto, passou a conviver com fenômenos tipicamente vinculados ao sistema em questão, ou pelo menos, ao seu modelo atual.

Este modelo estaria vinculado, segundo o autor da referida carta, a pelo menos três características fundamentais: um vigoroso mercado acionário, um movimento de globalização das empresas nacionais e a presença de estabilidade econômica.

O fortalecimento do mercado acionário apontaria para uma visão positiva dos investidores, em relação ao futuro das empresas e a confirmação de seus projetos de crescimento. Esta confiança faz com que sejam direcionados uma soma de recursos, nunca vistos anteriormente, para financiar estes projetos, mesmo que muito deles não possuam a menor garantia de que sairão do papel. Conjugado a este fluxo, aparentemente, inesgotável de recursos migrados para as Bolsas de Valores, está a questão da globalização dos mercados, pois grande parte destes recursos são oriundos de investidores espalhados pelo mundo, em busca de “bons projetos”. E são estes mesmos recursos, multiplicados pela ação de agentes (empresas, governos, bancos e investidores individuais) e redistribuídos em larga escala, que irão financiar projetos de expansão dos grandes conglomerados formados ao redor do mundo. Os mesmos que financiaram a maior “aquisição alavancada” já feita por uma empresa brasileira ( a aquisição da mineradora canadense Inco pela Companhia Vale do Rio Doce) e pouco tempo depois, no agravamento da crise do mercado imobiliário americano, escassearam-se e deixaram no forno vários projetos da espécie. Finalmente, chega-se a constatação de que a última característica deste suposto modelo, cujos primeiros ventos começam a soprar em nosso quintal: a tão festejada estabilidade econômica. Todo este movimento só está sendo possível a partir de um “sentimento” que cria um clima favorável para a assunção de determinados riscos, estendendo, assim, este círculo virtuoso de crescimento por um período mais longo, conferindo ao mesmo um estatuto de estabilidade.

Na mesma edição citada acima, encontramos uma matéria de título bem sugestivo que ressalta um paradoxo, a meu ver, intrínseco ao modelo produtivo instaurado na nova aldeia global. Ele aponta para um aparente descompasso entre as expectativas de crescimento não confirmadas de um determinada empresa que, mesmo assim, não para de ver o preço de suas ações subir na Bolsa de Valores de São Paulo, atingindo nos últimos 12 meses a impressionante marca de 130% de valorização. Com uma produção anual que permanece no mesmo patamar de 10 anos atrás, este exemplo vem reforçar a idéia de dominância da esfera financeira sobre a produtiva. Ou seja, esta nova lógica desvincula a atratividade de determinado ativo, neste caso específico, as ações de uma empresa privada, do incremento de sua produção ou da concretização ou não dos seus projetos de crescimento. A lógica que determina o comportamento dos agentes, famílias, empresas e instituições financeiras, doadores de recursos que movimentam o novo modelo, está cada vez mais atrelada a expectativa de variação do valor de mercado do ativo no curto prazo.

Desta maneira, torna-se cada vez mais comum depararmos com casos como o da Petrochina, companhia estatal chinesa que acaba de lançar suas ações na Bolsa de Xangai, captando US$ 8,9 bilhões e tornando-se a maior empresa do mundo em valor de mercado, superando US$ 1 trilhão. Comparando seu valor de mercado com a segunda colocada (no ranking das dez maiores por valor de mercado), a Exon, percebemos o mesmo descompasso entre o valor financeiro da empresa e seu desempenho na economia real. Enquanto a Exon, que faturou US$ 378 bilhões em 2006, alcançando um lucro líquido de US$ 39,5 bilhões, possui uma valor de mercado de US$ 488 bilhões, a sua concorrente chinesa não passou dos US$ 95 bilhões de receita e US$ 2 bilhões de lucro líquido.

É claro que esta aparente contradição ou mesmo este possível paradoxo, mais do que inspirar curiosidade, levanta interessantes questões sobre o modelo de capitalismo experimentado ao redor do mundo nos últimos anos. Tal modelo conseguiu, se não afastar de todo, pelo menos, retardar a expectativa de recessão que pairava sobre as economias (ditas desenvolvidas ou emergentes) 05 ou 06 anos atrás, e transformá-las num dos mais vigorosos ciclos de crescimento que o mundo pós-moderno tem assistido nas últimas décadas. Se não podemos aqui destacar todas as questões vinculadas a este paradoxo, uma nos parece sobremaneira confirmada: os fluxos de capitais se descolaram, definitivamente, dos fluxos de comércio e produção mundiais.

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