quarta-feira, 16 de março de 2011

O "X" da Questão - Multiplicar a Geração de Bolhas e Colapsos

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“As ações da Petrobras vêm sofrendo há meses pela perspectiva da operação. Fundos de hedge montaram posições vendidas para comprar mais barato na oferta…a estatal registra o segundo pior desempenho do setor no ano, atrás somente da britânica BP, protagonista do maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos”. (Agência Estado 24.09.2009)

Para quem não sabe, os fundos de hedge são organizações financeiras responsáveis por uma carteira de investimentos que busca uma maior rentabilidade para seu portfólio e por isso necessitam de uma estratégia mais agressiva, nem que para isso precisem assumir maiores riscos na alocação do capital investido. Eles movimentam bilhões de dólares ao redor do mundo e portanto são capazes de provocar, através de posições compradas ou vendidas, significativas oscilações nos preços de ativos em qualquer mercado. O retorno financeiro destes fundos é completamente dependente de sua capacidade de “montarem posições” que venham a fazer oscilar para cima ou para baixo o preço de ativos que façam parte de sua estratégia de rentabilização. Ofertas públicas de ações são ocasiões bastante propícias para tais estratégias uma vez que se conseguirem forçar o preço do ativo alvo para baixo, através de uma forte posição vendida, ou seja, realizando um movimento de venda massiva desde ativo ao longo do período que antecede o respectiva oferta, eles poderão comprá-lo de volta muito barato e capturar o upside de preço que aquele ativo carrega. Assim, a queda ou a elevação do preço da ação de uma determinada empresa que tem seus papéis negociados em bolsa, na maioria das vezes, está mais relacionada a ação dos especuladores de Wall Street (economia financeira) do que do desempenho econômico da empresa em Main Street (economia real).

Tenho me dedicado a pensar estes eventos de forte oscilação de preços dos ativos financeiros provocados por estratégias financeiras de determinados grupos de investidores que “montam posições” vendidas ou compradas. Hedge funds, privat equity, bancos de investimentos ou bancos comerciais, pela quantidade de recursos que movimentam no mercado, são capazes de fazer oscilar o preço de qualquer ativo financeiro, quando se posicionam fortemente na ponta de compra ou de venda. São operadores financeiros do mundo inteiro procurando ganhos de arbitragem na terceira casa decimal com operações de milissegundos A força destas posições não está relacionada a nenhuma outra variável ou fator de mercado, mas apresenta-se de forma livre e direta a produzir os efeitos necessários de suas estratégias, criando uma diferença ou desequilíbrio entre as variáveis ou fatores que será suficiente para capturar o ganho pretendido. Permitam-me, neste ponto, ilustrar essa prática através de um exemplo específico, retirado do universo corporativo brasileiro l habitado por grandes grupos empresariais, bancos comerciais e de investimentos, investidores qualificados (aqueles que possuem investimentos acima de R$ 300 mil), pequenos investidores e governo, relacionando-o a um evento ocorrido no século XVIII que fundiu, definitivamente, o gambling com as finanças.

Segundo o historiador Niall Ferguson (A lógica do Dinheiro, p. 366 a 377), no início do século XVIII já havia um grau considerável de integração financeira internacional. Na bolsa de Paris (inaugurada em 1724), as ações podiam ser negociadas em margem ou mediante opções de venda (baixa) ou compra (alta), aumentando a liquidez do mercado e reduzindo os custos operacionais. Também era possível diminuir o risco buscando proteção em mercados a termo. Londres e Nova York já tinham os seus mercados acionários informais muito antes de as bolsas serem formalmente criadas, respectivamente em 1801 e 1817. Foi nesta época que começou na Europa a trajetória de John Law. Filho de um bem sucedido ourives de Edimburgo, Law passou a juventude em Londres, entre mesas de carteado e conquistas de damas londrinas, sustentado pelo dinheiro mandado por sua mãe. Logo cedo, Law demonstrou seu brilhantismo na arte de jogar e de seduzir, perdendo grande somas de dinheiro nas rodas de jogo até envolver-se em um assassinato e fugir para a Europa continental para escapar de ser enforcado. Depois de transitar por todas as mesas de jogos do continente, Law retornou a Escócia em 1704 e começou a esboçar esquemas de reforma econômica a partir de suas ideias acerca das vantagens do papel-moeda. De volta ao continente com suas ideias já desenvolvidas em teorias, tentou vender os seus esquemas monetários a diversos governos, até que o duque de Orleáns tornou-se regente da França, em 1714, e viabilizou as ideias de Law. Amigo próximo do duque, Law consegue, em maio de 1716, a carta patente da Nova Banque Générale que, além de emitir cédulas bancárias, oferecia serviços financeiros básicos como, por exemplo, transferências. Para fomentar a confiança em Law, o regente depositou um milhão de libras francesas no novo banco e, em outubro do mesmo ano, exigiu que os coletores de impostos da França repassassem os pagamentos ao Tesouro por meio das cédulas bancárias de Law; logo depois, a população também foi autorizada a pagar os impostos por meio das cédulas. Em dezembro de 1718, quando os ativos do banco já superavam 10 milhões de libras francesas, a Banque Générale transformou-se na Banque Royale e foram abertas sucursais em Lyon, La Rochelle, Tours, Orléans e Amiens. Law conquistara o controle efetivo dos meios de pagamento da França.

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Logo em seguida, Law adquire a concessão da Companhia do Mississipi e decide transformá-la em uma sociedade anônima por ações, trocando ações por títulos do governo, reduzindo o juro da dívida. Na sequência, Law adquire a Companhia do Oriente, lançando 50 mil novas ações, que poderiam ser pagas, a princípio, em 10 prestações, que logo depois subiram para 20 prestações mensais. O próprio Law adquiriu 90% das novas ações por 25 milhões de libras francesas. Com a subscrição da oferta da Companhia do Oriente ele funde as duas empresas e o resultado desta fusão dá origem a Companhia da Índias, cujo preço das ações não tardou a subir rapidamente, impulsionado pelo dinheiro impresso pela Banque Royale, também controlado por Law. Para aumentar o entusiasmo dos investidores, Law emitia novas ações e dava preferência de compra aos acionistas existentes, além de anunciar generosos dividendos futuros. Dando prosseguimento à sua fantástica seqüência de fusões, Law comprou por 50 milhões de libras francesas os direitos da Casa da Moeda, efetuando o pagamento através de uma nova emissão de 50 mil ações da Companhia das Índias. Porém o lance mais ousado de Law surgiu com a proposta de conversão integral da dívida pública, naquela altura beirando 1,2 bilhão de libras francesas, em ações da Companhia ou anuidade de 3%. Ao mesmo tempo Law ofereceu 52 milhões de libras francesas pelo direito de assumir a coleta de impostos. Mais uma vez, a operação foi financiada por lançamentos de ações. Em Outubro, o preço das ações da Companhia do Mississipi já estava em 6.500 libras francesas, chegando em fins de novembro a 10.000. Na prática, a atividade mercantil pouco representava para a companhia de Law. As perspectivas da Louisiana não eram nada brilhantes e em nada justificavam a escalada de preços. O verdadeiro negócio de Law era a habilidade para criar
estruturas financeiras que engordassem seu patrimônio pessoal, as custas do repasse do risco financeiro para o mercado e do forte apoio do poder do Estado.


Bem, até aqui os fatos relatados parecem retratar eventos de uma época longínqua que lugar no continente Europeu. Onde está a relação com o mercado brasileiro do século XXI ?

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No início da década de 80, o empresário Eike Batista inicia sua aventura no mundo dos negócios. Filho de Eliezer Batista, homem responsável por implementar o revolucionário modelo integrado que transformou a Vale do Rio Doce na atual gigante da mineração, Eike envereda-se pelo caminho da mineração movido pela “febre do ouro e dos diamantes” . No início dos anos 90, depois de alguns projetos de exploração de ouro e diamantes na região amazônica, o filho do ex-presidente da Vale do Rio Doce e ex-ministro das Minas e Energias, sai em viagem pelo mundo e do Canada traz o modelo de exploração mineral das junior companies, que viveu seus diais de glória fomentado pelo boom das bolsas canadenses na década de 90, cuja bolha especulativa chegou ao fim com a fraude da Bre-X, em 1998, envolvendo seis bilhões de dólares. Depois de anunciar a descoberta de uma enorme reserva de ouro na Indonésia, confirmado por um laudo de uma consultoria independente e pelos sucessivos acréscimos anunciados entre 1995 e 1997, que fizeram as estimativas pularem de 30 para 70 milhões de onças, o mercado viu o valor da Bre-X disparar, até que se descobriu que a suposta reserva continha, na verdade, insignificantes quantidades de ouro. O escândalo da Bre-X lançou o mercado financeiro canadense em uma enorme crise, causando perdas significativas para os investidores, em especial para três grandes fundos de pensões públicos canadenses: O Ontario Municipal Employees Retiremente Board, o Quebec Public Sector Pension Fund e o Ontario Teachers Pension Plan, este último presente no capital da maioria das empresas do empresário brasileiro. O modelo das junior companies se estrutura em torno de três pilares principais: na aquisição de um direito minerário qualquer, cujo o valor estimado de reservas é atestado por um laudo emitido por empresas de consultoria, em geral contratadas a “peso de ouro”; na contratação no mercado de experientes profissionais da área (também a peso de ouro), que conferem credibilidade para o projeto; e na atração de um grande parceiro estratégico do segmento. O passo seguinte é conseguir o apoio de instituições financeiras, em geral grandes bancos de investimentos, para financiar o início do projeto através de “empréstimos ponte” que viabilizam a abertura de capital e a alavancagem do projeto.

Foi assim que Eike, em 2005, começou sua trajetória baseada em pilares, que, segundo o próprio, consistem em “gerar riqueza a partir do zero, com empreendimentos estruturantes e com tecnologia estado-da-arte”, a partir da concessão dos direitos de uma reserva de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, que passa a ser o principal ativo da MMX, empresa que torna-se-á responsável pela exploração dos negócios de mineração do Grupo. Replicando o modelo implementado com sucesso pelo seu pai na Vale do Rio Doce, Eike crias 03 sistemas mineradores integrados (mina, logística terrestre e porto): o Sistema Amapá, o Sistema Corumbá, e o Sistema Minas-Rio, esse último encampando os direitos minerários da cidade mineira e se constituindo no principal projeto. Com um time de profissionais renomados oriundos das principais empresas brasileiras, apoiados por instituições financeiras que a essa altura estavam vivenciando o período de extrema liquidez que dominou o mercado financeiro global e que culminou na crise do sub-prime, no final de 2008, e contando com o aval do Estado dada a importância dos projetos para a manutenção do ritmo de crescimento da economia brasileira, Eike inaugura sua empreitada no mercado acionário brasileiro com a abertura de capital da MMX, em julho de 2006, captando cerca de 500 milhões de dólares. A seguir observou-se a reprodução do modelo de junior companies do seguimentos de mineração para outros seguimentos. Em março de 2007 é criada a LLX, inicialmente como uma subsidiária da MMX, e responsável pelos projetos de logística, fundamentais para os negócios de mineração. Em julho de 2007 foi constituída a OGX, empresa que arrematou blocos de exploração de petróleo licitados pela ANP, com os 1,3 bilhão de dólares de uma colocação privada de ações, cujos investidores foram ele mesmo, através da sua empresa financeira denominada Centennial Assent Mining Fund e o Ontário Teachers’ Pension Plan, em novembro de 2007. Logo na sequência, foi realizada a oferta pública de ações da MPX, empresa responsável pelos projetos de geração de energia, em sua maioria compostos por usinas termo elétricas movidas a carvão e que abocanhou 1,1 bilhão de dólares. Em julho de 2008 é a vez da OGX ir a mercado para captar 4,4 bilhões de dólares, a maior oferta pública de ações à época. Em agosto de 2008, o Sistema Minas-Rio, principal projeto de mineração da MMX, bem como o Sistema Amapá é vendido para Anglo American, que já possuía, àquela altura, participação no Minas-Rio, numa transação avaliada em 5,5 bilhões de dólares. A venda do principal projeto da MMX ocorreu exatamente um mês antes da quebra do banco Lehman Brothers, que culminou na prior crise financeira experimentada depois da crise de 1929, que lançou EUA e Europa numa severa recessão e enxugou a liquidez mundial. A essa altura Eike já se considerava o homem mais rico do Brasil e avaliava a sua fortuna em 16,5 bilhões de dólares, dos quais 13,5 referiam-se a sua participação majoritária em todas as empresas e 3 bilhões embolsados em dinheiro pelo negócio com a Anglo.

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Volto neste ponto à Europa no século XVIII, onde três fatores foram fundamentais para o surgimento da bolha financeira da Companhia do Mississipi de John Law: a emissão desenfreada de moeda, o poder de atrair o capital externo e, em última instância, o poder do Estado. Entre 25 de dezembro de 1718 e 20 de abril de 1720, a emissão de cédulas pela Banque Royale saltou de 18 milhões para 2,557 bilhões de libras francesas. Em maio de 1720 já havia em circulação pública mais de 2,4 bilhões de libras francesas. No início de 1720, quando os investidores externos começaram a realizar seus lucros, Law foi obrigado a recorrer aos seus novos poderes de controlador geral para tentar estancar a saída de capitais, porém sem sucesso, vendo a simultânea depreciação das suas cédulas bancárias e das ações de sua companhia, sendo forçado a abolir a moeda em papel, fechar a Banque e impor uma taxa aos acionistas. Em dezembro de 1720, John Law fugiu do país usando um passaporte falso. Embora a fartura de liquidez na França, em 1720, possa ser atribuída ao derrame de cédulas pela Banque Royal, podemos traçar um paralelo entre ela e a farta liquidez global que precedeu a quebra do Lehman Brothers que tinha como fator principal a multiplicação de ativos financeiros por intermédio das sofisticadas operações de derivativos criadas pelo mercado e lastreadas na securitização de empréstimos financeiros a devedores duvidosos. Quando a bolha estourou, no final de 2008, o valor dos ativos sofreu uma forte desvalorização e com eles o valor das empresas de Eike. Como no caso de Law, a atividade mercantil pouco representava para o negócio de Eike, uma vez que sua única empresa em operação até o momento era e continua a ser a MMX, empresa de mineração que ficou apenas com a pequena operação do Sistema Corumbá e com ativos adquiridos em Minas Gerais, que a despeito da capitalização efetuada por um consórcio de empresas chinesas e da recente estruturação financeira em andamento para levantar capital utilizando os ativos da LLX, continuam insuficientes para livrar a MMX dos sucessivos prejuízos que vem apresentando em seus últimos balanços. Ainda assim, o empresário foi adiante como a abertura do capital da OSX, empresa criada com o objetivo de construir um estaleiro que dará conta da produção das embarcações a serem utilizadas no negócio de óleo e gás sob a responsabilidade da OGX. Com menos liquidez e menos apetite dos investidores, a operação da OSX não pôde ser considerada um sucesso e os 2,4 bilhões de reais captados serão insuficientes para levar o projeto de construção naval adiante. Considerando que os recursos captados com as ofertas públicas vão sendo consumidos com o andamento dos projetos e que o mercado já deu demonstração de falta de apetite para continuar financiando a pretensões de Eike, a carta guardada na manga pelo empresário, que era a possiblidade da abertura do capital da Holding EBX, parece não fazer mais sentido. A solução seria tentar continuar alavancando seus projetos ou através de novos financiamentos ou através de parceiros estratégicos dispostos a injetar mais capital nos projetos. Caso contrário qualquer soluço no cumprimento do cronograma dos projetos poderá representar um risco para os atuais agentes que porventura tenham comprometido seus capitais com essa aventura pessoal

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