quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Geografia do Lugar Nenhum

“O devir não é mais o negativo do ser, torna-se uma dimensão do ser, correspondente a uma capacidade que o ser tem de se defasar em relação a si mesmo, de se resolver defasando-se”. (Gilles Deleuze)

 

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Olhos de Pedra
Carbono e Cilício
Como considerar um objeto qualquer a partir da perspectiva de um processo de ilimitada mudança? A identificação das coisas se dá através da capacidade de se gerar um quadro geral que limite e reparta em fases tudo aquilo que permanece e a partir daí se possa traçar um princípio de identidade. As fases seriam os estados de coisas de um Ser no qual se realiza uma individuação e onde uma resolução qualquer aparece pela repartição dos traços comuns.  Uma vez que se tenha a capacidade de fixar os traços que permanecem em uma repetição do mesmo arranjo, estabelece-se uma relação indenitária entre grupamentos que se identificam por semelhança ou dessemelhança. Daí ser possível reconhecer os objetos através do seu Ser e dizer o que deles permanece como sua identidade. Se passarmos à analisar o processo de reconhecimento daquilo que permanece como traço indenitário, por um sujeito  que relaciona as repartições e as identifica, encontramos uma interioridade que reflete e organiza os elementos como imagens dessa delimitação e onde cada imagem recupera aquilo que permanece dentro dos limites de uma identidade qualquer. Porém, a simples constatação de que o processo de recognição envolve um mundo em movimento, faz com que toda observação se constitua como um processo dinâmico de relacionar aquilo que se repete, colocando em evidência a permanência de determinados arranjos cujos limites estabelecem a condição de identifica-los ao longo de uma cadeia de transformações no tempo e no espaço.

A história do pensamento se constituiu como uma tentativa de se delimitar as identidades e encontrar nas repartições em fases o Ser das coisas. As fases são os estados no qual se identifica um arranjo qualquer de combinações que pode ser recuperado a qualquer momento pelo ato da recognição. O ovo; o embrião; o feto; a  noite; o dia; o tempo; o ar; a chuva; a terra. Fases repartidas que organizam o estado de coisas que carregam em si sua identidade entre um piscar de olhos que não tem dificuldade de reconhece-las uma vez que elas estão catalogadas em imagens interiores do sujeito cognoscente. A próxima tarefa é dizê-las. E aí surge a linguagem como o instrumento que possibilita a expressão das identidades, através de um esforço de organizar um mundo onde coabitam as coisas, suas imagens e o sujeito que as percebe, as cria e as diz, onde se deve ser capaz de identificar, imediatamente, as palavras, às imagens e as coisas. Assim, esse dizer deve evitar, ao máximo, a equivocidade que coloque em risco a identificação entre tais arranjos, sob pena de um aturdimento que comprometa todo esse processo. Sendo assim, não é difícil entender o porque do Devir ter sempre representado ao longo dessa história uma ameaça a dissolução do mundo organizado pelas identidades, uma vez que nele não é possível capturar traços distintivos do Ser, ressaltando a capacidade  que o Ser tem de nele se defasar em relação a si mesmo, criando uma diferença absoluta na qual já não existem fases que possam ser tidas como semelhantes ou diferentes,  mas uma multiplicidade  onde o múltiplo já não é um adjetivo ainda subordinado ao Um que se divide ou ao Ser que o engloba, mas tornou-se substantivo, uma multiplicidade, que habita continuamente cada coisa.

Diferente da identidade do Ser a multiplicidade do Devir abre uma linha de fuga por onde passam todas as mudanças e onde não se é capaz de dizer, se não, o tempo e o espaço levados ao infinitivo.  Nele não se procura a adequação entre os significantes e o significado referente quando se diz, pois não se diz mas o que a coisa é mas no que ela constantemente está se tornando. Para compreender esse movimento no infinitivo, onde não se destaca mais o verde, a árvore, o dia ou a noite, mas o verdejar, o arborescer, o amanhecer e o anoitecer, vai-se em busca do Acontecimento; uma multiplicidade de agenciamentos de termos heterogêneos que estabelece ligações e relações ente eles ao longo de ilimitados movimentos de contágio. Ao invés de se definir através da catalogação de características comum que representam um gênero , espécie ou função,  persegue-se os agenciamentos nos quais cada termo entra e sai no seu processo de vir-a-ser. Não há de se falar em estados do ser mas das relações conjugadas que defasam as formas, através de um Acontecimento que se estende e se contrai no Devir de um infinitivo movimento de um diferente amanhecer a cada dia, dando sempre um novo céu, um céu que aqui pode assumir o posto do infinito, onde sua estrutura ilimitada e ausência de fronteiras contrasta com um espaço ocupado por todas as extensões e as coisas materiais diferenciadas através da experiência sensível. Cores e formas estendidas acima de nossas cabeças são apenas limitadas pela linha do horizonte que, aparentemente, fixa-se ao redor de um espaço ocupado pelos objetos  sobrepostos. Como uma dobra que distingue o volume de dados fixados pela nossa visão, o horizonte aparecer como o último limite da percepção sensível. Além desta linha, temos apenas o caos de possibilidades dependentes da abstração que cria um plano para projetar as formas do nosso pensamento. Nossos sentidos não são capazes de adquirir cada forma, a menos que a abstração organize o mundo apreendido pela percepção, criando um apoio para o pensamento e para cada coisa representada por ele. Se a abstração  fornece o  apoio ao pensamento é a linguagem que suporta as formas abstraídas do pensamento.
O mundo adquirido pela experiência sensível, representado pelo pensamento e descrito pela linguagem vem até nós e temos que nos tornar capazes de separar o que é observado do ponto de observação onde se encontra o sujeito e onde cada possibilidade poderia ser a virada de chave” para o mundo das formas. Esse é o plano onde o ato de conhecer tende a coincidir com o ato que gera a realidade, e podemos chamá-lo de plano de referência. Um espaço onde são constituídos os limites ou fronteiras em que o sujeito confronta o caos de todas as possibilidades como uma pluralidade de mundos que emerge de um estado contínuo de fluxo. Esse é o plano de onde as diferenças entre o conteúdos aparecem e permitem ao sujeito dizer o objeto. As diferenças surgem quando o sujeito em si superou o conteúdo no qual está misturado  e a excitação gerada por este movimento é conectada em uma cadeia de sínteses que constitui o processo do conhecimento. Se temos a intenção de atingir   a potência que subjaz em cada conteúdo, ao longo do processo de cognição, faz-se necessário que compreendamos de que maneira a abstração funciona com primeiro suporte para a o processo de reconhecimento e definição do estado de coisas que saltam a existência no momento que cada conteúdo  aparece para o sujeito da abstração - tudo que percebemos, sentimos e pensamos. A partir desse ponto, vem a distinção entre dentro e fora, sujeito e mundo. A abstração cria medidas para ver e para descrever,  numa sequência de eventos que produz o tempo e o espaço, regulamentando essa sequência e abordando as coisas em um movimento em que um conteúdo está relacionado a outro. Se queremos chegar a duração pura dos eventos fora do limite de tempo e espaço, temos que  recusar a usar a abstração como essa ferramenta  do pensamento. Como poderíamos, porém, ser capazes de superar a abstração? A resposta deve passar para além do limite de cada imagem do pensamento, onde encontram-se os dinamismos que se recusam  admitir a pura determinação e onde os conteúdos escapam das categorias tradicionais do pensamento abstrato e de uma língua ordinária como o apoio à abstração.

O problema deve conduzir-nos a uma linguagem que é livre para operar a viagem para os (não) lugares do dinamismo puro onde o pensamento é formado, sem fixar formas da abstração e onde somos capazes de ouvir os sons do silêncio, ausências e lacunas que nos pões em contato direto com a força do virtual. Seria melhor que já pudéssemos definir, nesse momento, o conceito de virtual, empurrando as frases muito longe e à frente dos limites da linguagem da abstração, recuperando o potencial deitado sob as palavras, fora do campo de atualização e livre de toda e qualquer medida.  Por se consistir num movimento ilimitado e sem suportes referenciais o virtual localiza-se numa dimensão do antes-de-ser, onde as potências, através de uma desaceleração que produz as diferenças, adquirem as formas a partir das quais se  permite s dizer o mundo apreendido pela percepção. Nesse ponte se requer uma operação que não implica em qualquer ponto de partida ou de chegada porque estamos  impedidos de  fixar as diferenças e repetições pelo princípio da identidade, onde o tempo deve ser tomado como um todo, que salta sobre a ruptura de presentes repetitivos, abrindo um espaço sem extensão, apenas povoado por multiplicidades intensivas. Entrar nesse universo requer um cuidado especial se não se tem a intenção de cair em um completo aturdimento, tendo em conta que começar a velejar nesse campo é adentrar em um rio que é um líquido misturado que nunca pode parar de correr, como originalmente descrito por Heráclito. Se superarmos a abstração como o limite último da realidade, entramos em uma dimensão que poderia ser considerada impensável e indescritível, à primeira vista, a menos que se admita submergir  em um rio sem margem, superfície ou fundo, que corre nos "não-lugares" onde o pensamento foge, a linguagem escapa e a abstração perde seu sentido.

Para marcar esse caminho até o virtual como um requisito para o pensamento sem abstração, voltando-nos a Nietzsche e sua crítica da história, onde ele denuncia a importância da memória como uma ferramenta que corrige o presente e cria um campo onde o tempo é arquivado como solução de continuidade do pensar; organizando o passado e futuro que fogem do presente, transformando o movimento da vida em um bloco de extensão linear. Apelando ao “esquecimento” como um instrumento de libertação dessa cadeia de significados temporais ele descreve esse sentimento a partir da visão dos rebanhos que pastam sem saber sobre o ontem ou hoje,  na primavera ao redor, onde comem, descansam, digerem, saltam novamente e assim, de manhã até à noite e de um dia até outro dia, com seus gostos e desgostos intimamente ligados a instantaneidade do momento, sem melancolia ou cansaço. Ao mesmo tempo, voltemo-nos para a definição de liberdade em Spinoza, onde uma coisa é dita livre, quando existe pela necessidade de sua natureza e em si mesma está determinada a agir. Essa determinação, no entanto, não está ligada a vontade autônoma de um sujeito qualquer, mais a potência desumana para a vida. Nem categórica nem hipotética, mas impulso imperativo como natural. Tudo é natural se considerarmos a natureza como um conjunto de forças em um relacionamento constante.  Nietzsche chama essas forças de "quantum”. Forças que dão forma e sustentam tudo o que existe. Forças que não se limitam porque mudam a todo tempo tentando encontrar um espaço de expressão. Forças gerando formas, a matéria densa e visível e a matéria invisível aos olhos; matéria orgânica e inorgânica, formas de conteúdo e formas de expressão, os corpos, os instintos, as paixões; energia que mantem as coisas agindo o seu ser. Segundo Nietzsche, "quando algo acontece dessa ou daquela forma e não de outra forma, não é a consequência de um princípio de uma lei ou ordem, mas ele mostra como as forças estão no trabalho e como elas exercem sua potência sobre outras forças (...) Um quantum de força é definido pela ação que ela produz e pelo efeito que a resiste " (Nietzsche).

Tudo o que existe se resume como um processo interativo de forças. Chamamos essas forças relacionadas, então, formas da natureza, uma vez que consideramos a natureza como a essência de todas as coisas que existem, e só através de sua natureza existem, nesta ou naquela forma e não em outra. Cada coisa traz uma forma de existir de uma maneira específica e que continua a liberar sua potência, mesmo quando enfrenta a potência de qualquer outra forma que intervém e evita que ela siga seu curso. A forma da chuva que cai e que para de cair quando a terra aparece como a forma que a faz correr no leito do rio, até que a forma do sol comece a evapora-la, quando então  ela encontra a forma do frio e se condensando se faz nuvem . A forma de excitação sexual de um corpo com outro corpo que segue animando mudanças até que essa excitação, pela explosão de uma forma orgasmo faça com que o forma derramamento de sêmen corra para encontrar a forma de um ovo que o impede de continuar funcionando como sêmen através fertilização que libera a forma óvulo e as potências das formas de um processo meiótico que a faz multiplicar em unidades cada vez maiores da vida. A realidade que invade os sentidos consiste na forças relacionadas nas formas, num mundo que aparece como intensiva relação entre elas. O poder de observar e descrever esse processo é um estado dos seres de linguagem chamados, por si mesmo, de animais racionais, que apreendem as formas do mundo e as organizam no espaço e no tempo, fazendo com que essas formas assumam particular importância na cadeia da significação de sua relação  no mundo. A capacidade de obter os conteúdo que se levantam frente a percepção sensível, cria as fronteiras entre as dimensões do interior, exterior, altura, largura e profundidade, separando conteúdos no tempo e no espaço, catalogando e gravando as formas em sua memória. Isso torna o animal racional capaz de reproduzir pelos nomes que definem. Em seguida, os seres da memória constroem um mundo particular através da linguagem e esse mundo é composto de objetos vivos e inanimados que, através da taxonomia dos conteúdos da natureza faz erigir torres de observação, como uma espécie de habitat privilegiado para os seres racionais.

Através de sínteses produzidas pela percepção sensível, pela memória e pela linguagem este ser vai criando as diferenças fundamentais que o permite torna-se ser-homem. Através de um incansável esforço, passa então a distinguir as diversas formas da natureza, para ajudá-lo a governar sobre elas. Como o fluxo da natureza é impermanente, considerando a ação dos diversos quantum de forças que produzem as formas que resistem reciprocamente  nas intermináveis mudanças processadas na realidade do mundo, o homem tenta destacar as  formas que não mudam em sua própria essência e por  prevalecem sobre as demais, e dessa maneira, tenta estabelecer um limite entre o mutável e o imutável, o impermanente e permanente, já que o mundo parece não protegê-lo da avalanche de transitoriedade que ameaça devolvê-lo ao estado indiferenciado, do qual nasceu para se estabelecer como observador através da capacidade de reter o momento presente em sua memória e transforma-lo em história. Fora desta história através da qual o ser é dito, por ele mesmo humano, multiplicam-se misturas de forças singulares. Mesmo fora dos  limites pelos quais se pode descrever esse processo, os significados da linguagem tendem a fixar as causas e efeitos dessa humanidade, que sempre esbarra nesses limites, mesmo se o ser continua subindo ao mais alto dos céus sobre sua cabeça ou indo ao mais profundo do abismo sob seus pés. Estes limites foram estabelecidos por diversas representações ao longo da história humana, sempre no intuito de proteger os seres da linguagem da ameaça de uma vertigem que quer dissolve-lo de volta na natureza como um potência, juntamente com outras, sem memória da história, ou  consciência do processo de estar no mundo.
Entre Azuis

Cinzazul
Tons do Mesmo Céu
No entanto, se temos a intenção de atingir o lugar do campo de forças em sua relação intensiva, fora do sentido ordinário da matéria densa ocupando uma dimensão extensa, precisamos lidar com lugares que não podem ser confundidos com o espaço da extensão onde as formas se encontram, mas um espaço de multiplicidade de intensidades em um movimento ilimitado. Neste plano, o pensamento carece desterritorializar as formas da matéria densa até que se faça esbarrar na multiplicidade de singularidades e nas linhas de variação perpétua. Multiplicidade, aqui, seria então um movimento ilimitado de potências em um caos de convivência e sua essência é uma frequência como vibração de intensidades múltiplas. O mundo do espaço extenso aparece quando as potências tendem a se despedir do caos, abandoná-lo em favor da regularidade e previsibilidade dos fenômenos, através da cristalização que traça vetores entre o caos e a ordem. Se temos a intenção de encontrar o caos em estado puro e sem limites, como multiplicidade de potências em um movimento descontínuo, temos que atravessar o limite das formas através de um pensamento que seja capaz de entrar na variabilidade absoluta, movendo-se nas velocidades diversas das caóticas forças. A matéria densa, que ocupa o espaço das medidas, surge do caos como uma relação de forças diferentes. Se o caos consiste em um campo de modulação incessante das diferenças, o processo de atualização da matéria densa  consiste em relações que se constituem através da aceleração e as paradas dessas forças, distribuindo as intensidades e reduzindo a diferença à identidade. A atualização move fluxos de proliferação de diferenças até sua redução e é dada como a equalização da diferença. Diferença, nesse sentido, é o absolutamente diferente; as forças indeterminadas de um fluxo descontínuo, que tem a diferença em si como sua condição, num movimento de coexistência de diferentes ritmos como potência geradora. Seus ritmos diferentes podem ser descritos como energia potencial e elemento fundamental de um estado integrado, onde a instabilidade deste fluxo está diretamente relacionada as forças e à sua atividade. Quanto mais um estado é integrado, maior é a energia potencial ou a energia livre em seu fluxo. Energia livre é um movimento descontínuo de forças em um estado de diferença absoluta. O estado integrado também pode ser descrito como uma repetição dessa diferença absoluta num jorro imprevisível de novidade. O estado integrado é a dimensão do virtual como um movimento de forças ou tendências em seu processo absoluto de diferença. O virtual é a diferença pura, o novo, diferença absoluta que se repete como novidade, fazendo cada vez como a primeira de uma série que é sempre capaz de diferir de si mesma. Ele é o que Nietzsche chamava de "eterno retorno". Não o do mesmo, mas do novo e do absolutamente diferente. A matéria como forma de conteúdo aparece quando essa série de forças divergentes resultam na formulação como produto da  diferença, correlacionando frequências com um apetite de novidade e lançando-as num campo de atualização.

Nessa perspectiva o virtual pode ser pensado como um fluxo intenso de lugar nenhum para nenhum lugar, em um movimento que não pode ser descrito em termos de uma trajetória geométrica espacial, mas apenas em um campo  de  frequências sem interação. Frequência é o modo como as forças estão tensionadas, podendo ser expressas em termos de vibrações. Existem dois tipos de relação de frequências. Um produz sistemas integrados, onde não existe uma interação das frequências  e um outro que produz um sistema não integrado, onde a interação das frequências é dada por ressonâncias. A correlação de frequências prossegue minimizando as variações e tendendo a limitar a ação das forças, em ciclos cada vez mais estreitos, resultando na codificação do fluxo da matéria-movimento, em um processo de sedimentação que leva a uma diferença de graus de sistemas não integrados . Neste ponto, poderíamos definir o mundo da matéria densa como um processo de estratificação de sistemas não integrados. No final do século XIX, Henri Poincaré demonstrou a diferença fundamental entre sistemas integrados e não integrados. Ele concluiu que a maioria dos sistemas dinâmicos não eram integrados. Um sistema dinâmico integrado é dito como um sistema onde as variáveis podem ser definidas pela distribuição de um conjunto de forças livres que levam esse sistema a se comportar isomorficamente. Ele demonstrou que apenas uma reduzida classe de sistemas dinâmicos eram  integrados e que essa integração é ameaçada pela existência de ressonâncias entre os graus de liberdade em um sistema. A ressonância pode ser tida como uma relação de interação entre as frequências e é produzida quando uma das frequências é equivalente a um múltiplo inteiro da outra. Os sistemas integrados poderiam ser representados como sendo constituído por organismos sem a interação, em um campo de pura qualitatividade das diferenças. A dimensão de tensões e vibrações que expandem-se como um movimento ilimitado de uma diferença pura é o que chamamos de a dimensão do virtual. Por outro lado, sistemas não integrados representam um campo onde a colisão de forças faz uma simétrica distribuição de diferentes velocidades e cria a correlação das forças em um fluxo que reduz a diferença pura, ou a diferença de espécie, a diferença de graus de energia . A luz emitida e absorvida, o acoplamento de sons e quantum de energia, são  resultados de diferenças entre  os níveis de força como o limite da expansão e duração pura do virtual. O ponto mínimo dessa interação aprece também como uma frequência onde a forma indica o modo como as diferenças de intensidades são comunicados em um espaço de extensão. Assim, a matéria densa é um espaço de contração de vibrações em um ponto de interação de forças que determinam o campo de individuação dos eventos atualizados. Até este ponto a diferença pura não solicita qualquer outro elemento que não a  multiplicidade das forças  que assumem o espectro de um monismo isomórfico de um movimento sem interação das partículas, energias ou potências.  O movimento no campo da integração é um eterno retorno da expansão das forças como uma diferença absoluta de uma duração. No entanto, a questão principal é dada no mesmo ponto. Como as ressonâncias ocorrem no processo do virtual para o campo atual de sistemas não integrados?

Voltando aos pensadores pré-socráticos vemos encontramos um elemento introduzido, como responsável pela passagem do virtual para a dimensão atual: o "clinamen". De acordo com Lucrécio ele é a guinada imprevisível que ocorre "em nenhum lugar fixo ou tempo. Os primeiros atomistas concebiam o processo de formação do mundo material como uma queda dos átomos que se moveriam para baixo através do vazio, pelo seu próprio peso, até começarem a se desviar um pouco em um espaço e num empo bastante incertos,  apenas o suficiente para que pudéssemos  dizer que seu movimento mudou. Mas se eles não tinham o hábito de desviar-se, todos eles cairiam para baixo através das profundezas do vazio, como gotas de chuva, e nenhuma colisão ocorreria, nem qualquer choque seria produzido entre os átomos. Nesse caso, a natureza nunca teria produzido nada. De acordo com os atomistas em primeiro lugar, a natureza global é formada pelo conjunto de átomos em um isomorfia estática e entrópica que pode ser comparada com um estado de  morte. As coisas seriam estática em um fluxo perpétuo. Assim, os átomos seriam imortais e estariam em queda livre, sem se tocar entre si, num  e fluxo paralelo equivalente ao princípio da inércia. O "clinamen" seria a inclinação na cadeia atômica inerte como uma força motriz ou o ângulo mínimo que produz choques e reviravoltas no tempo e no espaço da dinâmica. Neste sentido, o estado original das coisas descritas pelos atomistas está mais perto de representar o sistema integrado de Poincaré, onde o "clinamen" seria responsável pelas ressonâncias entre as forças. Portanto, o isomorfismo do sistema integrado é o estado de coexistência de uma multiplicidade de quantum de energias em um movimento estático, no campo virtual de um eterno silêncio dos espaços infinitos. Quando o silêncio é quebrado, o campo atual das forças correlacionadas aparece e reúne o mundo e a vida. O mundo, objetos, corpos e até mesmo a alma seriam parte de um declínio de um sistema integrado. A natureza se recusou a morrer exatamente quando ela nasceu, mas continua a cair de volta à morte que é o estado integrado e isomórfico de forças que não interagem entre si neste estado imortal; imortal só porque  não nasceu ainda. O processo de formação do mundo e dos estados de coisas é uma relação de forças em suas ressonâncias, descendo em um processo de existência, em choques e interação.

A pergunta agora é: O que faz uma força a insistir, persistir em sua potência, mesmo quando outra força a ela se opõem? Diríamos que a persistência é a natureza da força que faz com que ele tenda a algo sem ser capaz de se liberar dessa ação particular. Se considerarmos que toda forma é uma relação de forças e que todo  corpo é o último limite da unidade de formas, diríamos que certos organismos  tendem a insistir por causa de sua própria natureza, e nenhum outro conjunto de forças relacionadas é capaz de detê-lo, mas apenas  extermina-lo. Parece algo facilmente observável que a natureza das coisas carrega, em si, a potência de continuidade, mas a relação entre essas potências libera poderes que irão impedir que as forças continuem a subsistir enquanto potência, forçando-as num processo de interação que é a origem do estado de coisas do mundo. Porém, não basta aqui afirmar que o movimento das forças é composto pelas dimensões virtuais e atuais, enquanto não pudermos explicar como é processada a passagem entre essas duas dimensões pelos poderes que interagem as potências. Com as coisas se tornam o que elas são? Como vislumbrar o produtor dessa passagem? Uma força que ninguém sabe? Como evitar, de saída, a ideia de um primeiro produtor como motor? Como parar a fonte de vazamento infinito das forças? Como evitar um primeiro motor transcendente, fora do mundo da natureza como elemento separado.  E se por acaso conseguirmos enxergar essa passagem, como dizê-la?

 

2 comentários:

  1. Importante e interessante fonte de reflexão. O que acontece com a experiência nessa dissolução do espaço e do tempo no mundo virtual? Como essa novidade ambígua que entrou de modo pungente na vida das pessoas está a afetar o social como um todo?

    beijos
    Ezcelente trabalho, meu querido amigo! Continue!

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  2. Minha amiga querida, virtualmente querida. Essa constatação, já me deixa feliz, uma vez que os processos de dissolução dos limites das formas atuais, ainda não contam como um plena avaliação acerca da sua capacidade de transformar o meio social atual. Mas o fato de termos nossos pensamentos, almas e vidas, ligadas na cadeia desses conteúdos desmaterializados dos esquemas tradicionais de dizer os sentimentos, me faz alegre e a perspectiva de encontrar você fora do mundo ordenado pela razão soberana me anima a seguir em frente. Grande beijo

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