domingo, 27 de fevereiro de 2011

Novos Paradoxos

"O Comunismo chinês pode ser capitalista, a democracia russa, um tanto leninista, o socialismo chavista pode ser católico:  o que conta é o poder."

A citação acima poderia muito bem ter sido tirada de um dos livros de Michel Foucault, quando este analisava as diversas formas de exercício do poder, em sua articulação com diferentes sistemas , instituições ou Estados. Contudo ela foi tirada de um texto de Roger Cohen, articulista do New York Times, publicado na edição do jornal O Globo de 04/12/2007 , e levanta algumas questões interessantes.

A discussão acerca da alteração e  nova distribuição do poder econômico e político que a globalização provocou na atual ordem mundial, praticamente tornou-se lugar-comum.  Ao mesmo tempo que se discute se a desaceleração da economia americana significaria o início de uma recessão de proporções mundiais, e que as autoridades daquele país  já começam a estudar medidas para minimizar os custos de uma crise recessiva para  economia norte-americana, parece consenso que o peso da maior economia do mundo no jogo do novo mercado global se alterou. Basta olhar para os dados mais recentes do Goldman Sachs, que apontam para um terceiro trimestre de 2007 onde apenas as economias dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) já deverão contribuir duas vezes mais para  a demanda global do que os Estados Unidos que, segundo os últimos números daquele banco, obteve um crescimento de 15% de suas exportações, quando comparado com o ano passado, impulsionado pelas vendas para mercados em desenvolvimento.

A questão que merece ser colocada é: por que a máxima de que "quando os Estados Unidos pegam um resfriado, o resto do mundo contrai uma pneumonia" já esta desgastada?

O fenômeno da globalização, ou seja, a integração dos países numa suposta "ordem global", não é novo. Também não é nenhuma novidade que os propulsores técnicos e econômicos das novas tecnologias da informação e comunicação aprofundaram esta realidade.  Talvez a maior novidade desta integração seja, como destacou Philip Stephens, colunista do Financial Times, em seu artigo publicado no Valor de 03/12/2007, o fato de que,  após o Consenso de Washington,  "a globalização era algo que os países ricos faziam com o resto do mundo. Agora começa a parecer que outro alguém esta fazendo com eles".

Bens, capitais, empresas e trabalhadores têm cruzado as fronteiras de seus países num fluxo e num ritmo que caracteriza a flexibilidade da nova ordem mundial, e em direções que parecem desobedecer a  lógica da antiga assimetria entre o centro e a periferia do mundo. Esta oposição sempre alimentou discursos anti-globalização por parte de governos ou setores, de países, a principio, excluídos dos benefícios gerados pela abertura dos mercados, que "na esteira da queda do Muro de Berlim",  parecia favorecer apenas as economias desenvolvidas, e jamais os frágeis agentes terceiro-mundistas.

O fato é que neste início de século 21 a integração dos mercados ao redor do mundo  fez com que a riqueza mundial fosse multiplicada em 20 vezes, em relação as últimas quatro décadas, chegando a US$ 43 trilhões, dos quais mais de 15% está sendo produzido pelas principais nações emergentes, que na década de 90 eram responsáveis por cerca de 5% do PIB mundial. A globalização pós-moderna tem propiciado o mais duradouro ciclo de expansão do pós-guerra e alterado as relações de poder ditando as regras do novo jogo social e político, uma vez que a base da produção material foi unificada sob a dinâmica da integração dos mercados e da livre circulação dos fluxos materiais.

Porém é interessante notar que esta nova ordem social ao mesmo tempo que exprime a homogeneização e a interdependência dos acontecimentos, reivindica a singularidade das identidades locais, culturais e políticas, reforçadas pela prosperidade global e pela integração econômica. Nela os  modelos tendem a fugir da fácil classificação sob o ponto de vista ideológico, e permite que sejam assumidas posturas que mesclem características antes identificadas com  máximas como capitalismo, socialismo , democracia, esquerda e direita.

Assim, o principio fundamental do funcionamento da integração global é a livre convivência de   povos,  sistemas de governos e países que fazem parte do jogo, sem a necessidade que seja assumido um modelo padrão, político ou cultural , a ser observado por todos os  agentes. Muito mais importante do que se acostumar a conviver com operadores  globais que possuem acesso a informações instantâneas e detalhadas de diferentes mercados, confortavelmente sentados com suas longas túnicas brancas, nas bolsas de valores do Kuwait ou de Dubai, é a convicção de que "os deslocamentos tectônicos abaixo do leito marinho", fez surgir um novo mundo, por onde circulam aproximadamente US$ 147 trilhões de ativos financeiros,  grande parte deles nas mãos de centenas de milhões de agentes até agora excluídos da "arena global",  não importando se o mesmo é um "capitalista da China comunista", um "democrata russo leninista" ou mesmo um "chavista católico".

Nenhum comentário:

Postar um comentário