sexta-feira, 25 de março de 2011

Sobrenodernidade: A Era da Diferença Excedente"
















Em tempos que os discursos se espalham pela grande rede informacional, desmaterializada e não localizável, a topologia dos territórios enunciativos reivindica a  noção de vazio de um (ciber) espaço que abre-se como (não) lugar onde se processam as conexões rizomáticas entre as formas de conteúdo e as formas de expressão, que cada vez mais voláteis, viajam na dimensão de uma jornada sem partida ou chegada. Faz-se necessário, assim, para que se consiga traduzir os registros grafados pela passagem dos corpos e dos enunciados, que a subjetividade sobremoderna encontre uma nova linguagem, apta a descrever as intensidades circulantes na potência de seu acontecimento.

Penso na discussão deleuzianano,  levada a cabo no seu ensaio sobre a obra de Kafka,  sobre a possibilidade de uma “literatura menor”, como tentativa de utilização dos significantes de uma língua “standard”, levando-os ao limite de sua capacidade de dizer as coisas. Há de se buscar, segundo ele, matérias de expressão que, a despeito da repetição dos mesmos signos, sentenças e códigos linguísticos, libertem-se da cadeia original de significados. Isso não passaria pela invenção de novas palavras ou de novas línguas, mas diz respeito ao seu uso menor. Menor, na perspectiva de um espaço infinitesimal por onde se consiga fazer passar os conteúdos, corpos, frequências e intensidades, evocando a equivocidade das palavras e intervenção recíproca entre elas e as coisas.

“… a pure and intense sonorous material that is always connected to its own abolition – a deterritorialized musical sound, a cry that escapes signification, compositions, song, words – a sonority that ruptures in order to break away from a chain that is still all too signifying…sound doesn’t show up here as a form of expression, but rather as an unformed material of expression”. ( Gilles Deleuze an Félix Gattari – Kafka, Toward a Minor Literature)

John Cage costumava dizer que quando ouvia o que tradicionalmente se costuma chamar de música, era como se ele ouvisse alguém falar, expressando suas ideias e sentimentos. Porém, quando ele ouvia o som do tráfego, entrando por sua janela no 17o andar de seu apartamento,  não percebia nenhuma fala, mas sim o som agindo de forma pura. A atividade do som para Cage, se apresentava a partir de suas intensidades, limitando-se a expressar suas frequências, sem que ele sentisse a necessidade de qualquer fala. 

“I love the activity of sound. What it does is it gets louder and quieter, and it gets higher and lower, and it gets longer and shorter, it does all of the things. I am complete satisfied with that. I don’t need sound to talk to me … I love sounds just as they are” (John Cage About the Silence - http://www.youtube.com/watch?v=pcHnL7aS64Y).

Nos pares das expressões e dos conteúdos que se tocam no horizonte sobremoderno, falta a ordenação que garanta um único significado. Já que não se necessita mais das fixas marcações das formas de tempo e espaço, tem-se a liberdade de perseguir as variações que se estendem a um plano infinito de significantes, sem que se careça da linearidade das combinações dos rígidos pontos. Os corpos, finalmente, podem bailar ao sabor de uma música que não se sabe de onde vem e para onde quer levá-los. Se os limites do ponto foram implodidos pela lascívia do movimento absoluto, abre-se o vazio que se estende no sopro das ausências, brancuras e espaçamentos, elevando os conteúdos a enésima potência. Como a base não aponta precisão, o expoente está livre para vasculhar a eternidade de um silêncio que já não emite som algum que reivindique uma harmonia matematicamente estruturada. Sobram, assim, a falta de direção, onde o meio como presente contínuo, não cansa de se desintegrar e se reconstruir na dimensão do esquecimento. Nela, os tons aderem a nova interface do tempo, surgida da eternidade de um presente que se move como intensidade do ritmo inercial do acontecimento. Daí a novidade de não se concentrar os significados em nenhuma das arestas da passagem dos conteúdos por qualquer ponto se quer. Os conteúdos erguem-se para mergulhar, em seguida, no círculo que se faz passagem ininterrupta e recíproca do virtual para o atual, sem que se tenha dois estágios mas uma só e única dimensão. Dimensão atonal, onde faltam os pontos que impõe ao mundo o princípio de ordenamento. Se não há um ponto, não existe a possibilidade de solapassá-lo ou ultrapassá-lo, uma vez que não existe uma tonalidade  estável e sim um mundo de multiplicidades sem uma tonalidade determinada.

“…the indistinction of inside and outside leads to the discovery of another dimension, a sort of adjacency marked by halts, sudden stops where parts, gears, and segments assemble themselves” (ibdem).














(Photos Carlos Machado)

A virtualização dos conteúdos e das expressões na sobremodernidade da-se através da volatilização das formas que os sustentam. Esta operação guarda referência com uma “máquina produtora” capaz de desorganizar os arranjos das formas, entenda-se forma, aqui, no sentido dado por Foucault, como a relação entre duas ou mais forças. Se tomarmos o sentido equivalente da mecânica quântica, as formas sobre as quais nos fala o filósofo francês traduziriam-se nas ressonâncias entre frequências. Tal máquina origina-se na intervenção recíproca entre as formas de conteúdo e formas de expressão que modelam mecanismos de abolição dos limites do espaço e do tempo, criando componentes capazes de produzir uma quantidade ilimitada de combinações. As tecnologias do Vale do Silício, cuja ação combinada com a desregulamentação das relações entre conteúdos e expressão, imprimiram uma velocidade vertiginosa ao movimento ora tornado fluxo. Os fluxos que circulam pela rede global que se conecta fora da região espaço-temporal ordinária, desmaterializam as formas e lançam os conteúdos e as expressões no puro vazio das regiões inextensas.

O território das operações financeiras oferece-nos exemplos precisos do processo de virtualização das formas sobremodernas. Se tentarmos localizar, através dos conceitos clássicos de espacialidade e temporalidade, as transações financeiras de milissegundos, onde ativos financeiros são transacionados ao redor do mundo, esbarramos na constatação de que eles acontecem na exata medida da conexão entre conteúdos e expressões, que trafegam virtualizados em bits e bytes, deixando os rastros de sua passagem pelo vazio do ciberespaço, nos broadcasts das mesas  de operações ao redor do globo. Os ativos financeiros (conteúdos) nada mais são do que um movimento contínuo de compra e venda de “posições financeiras”(espacialidade inextensa) através de ordens (expressão) de comprar e vender, processadas em uma velocidade vertiginosa. Em finanças o conceito de “spread” é a diferença entre o preço de compra e de venda de um ativo. A capacidade do processamento de uma grande quantidade de ordens de compra e venda em frações de segundos, gera uma diferença mínima que multiplicada pela quantidade das transações realizadas em alta frequência  gera um excedente que se constitui como um conjunto de forças excedentes, multiplicando a quantidade de recursos em jogo a enésima potência. Daí  o resultado das transações  de ativos financeiros hoje em circulação distarem, em muito, do resultado da compra e venda de bens e produtos produzidos na chamada “economia real”. Tal diferença deve ser entendida a partir do “enriquecimento das atividades, de acoplamentos qualificadores” com bem já nos colocava Pierre Lévy, que libera um excedente potencial  “descolado dos constrangimentos materiais” e portanto assumidos como forças não relacionadas.

Podemos expandir esta análise retirada do mundo das finanças  aos diversos signos que permeiam a cultura sobremoderna, onde mundos virtuais atingem seu estágio mais avançado de desmaterialização. Como nos dizia Lévy, os signos então “tornam-se ubiquitários na rede – no momento em que eles estão em algum lugar, eles estão em toda parte – e interconectam-se em um único tecido multicolor, fractal, volátil, inflacionista…”. Tendo os conteúdos e expressões se libertado do limite da forma através da virtualização de sua ação recíproca, eles são capazes de produzir um excedente virtual que é a potência que sustenta o fluxo. Através do tráfego veloz entre as diversas redes, estes conteúdos e expressões “digitalizados” elevam-se em direção ao infinito de possibilidades, face a capacidade indefinida da combinação destes dados, no processamento através de diversas interfaces.

Se ao longo dos últimos 40 anos esta virtualização surge como produto das novas tecnologias do ocidente, relacionadas com as formas de expressão de uma sociedade que procurava  subverter a ordem de seu tempo, hoje elas assumem, definitivamente, um papel de transformação e acabam abrindo um espaço de subversão nas sociedades do oriente, num mundo composto por grandes blocos interconectados em rede, por onde trafegam formulações enunciativas – sentenças, códigos da língua e dinâmicas de saber e poder, responsáveis pela regulação de novas regulações sociais. Na modernidade tais códigos se estabeleceram num território que tinha na capacidade de esclarecimento sua principal potencia, cujos ecos comandaram o processo de consolidação de um dizer apoiado em signos de uma humanidade que se constituiu através dos esforços para fixação de um espaço que resguardasse o ser da transitoriedade e instabilidade do fluxo do devir, de cuja existência individual e coletiva dos homens e da sociedade são o principal exemplo. Exemplo que grita e explode em linhas de fuga de um devir louco. Paradoxalmente a este intento de fixação do sentido, seguem-se estratégias expressas nos códigos enunciativos, onde a desregulamentação e a reivindicação pela autonomia do sujeito da enunciação não encontrava nenhum apoio que não o de sistemas que passaram a regular os conflitos e litígios entre os conteúdos constitutivos da cultura dita europeia ou ocidental.

A mediação deste conflito requer um mecanismo que seja capaz de regular os encontros, embates e batalhas que ameaçam a integração dos indivíduos em uma realidade dinâmica e de múltiplas transformações. Sem apelar para heteronomia, autoridade ou tradição, o elemento regulador vai ter no conhecimento universal e no escrutínio pela razão das formas naturais ou institucionais,  a novidade de um fundamento onde vem repousar o modelo de verdade da modernidade europeia, espalhado aos quatro cantos da terra. E é justamente a partir da reivindicação da autonomia do sujeito e na sua liberdade que a modernidade assistiu a  ilimitada multiplicação das base dos seus códigos de saber e poder. Apoiado nas novas tecnologias vemos surgir as novas formulações enunciativas, onde o conhecimento perde o seu caráter de universalidade e assume a dimensão informação circulante, múltipla e particular, sobremaneira desregulamentada, volátil e instantânea; “... fase da comunicação e a informação digital ... permitindo escapar do tempo linear e do espaço geográfico. Entram em jogo a tele presença, os mundos virtuais, o tempo instantâneo a abolição do espaço físico, em suma, todos os poderes da transcendência e de controle simbólico do espaço e do tempo ... Ela se compõe como um zapping de signos, como apropriações de bits num espaço-tempo em profundas transformações” (André Lemos).















( Photos by Carlos Machado)


Isso nos deixa como que estatelados, numa situação de perplexidade, mas essa perplexidade não vem de um descaminho, de uma falta de caminhos. Vem do excesso de riqueza, vem do amontoado de informações, do excesso... que se renova sempre, e nós não podemos mais dominar tudo isso... não saber o que nos espera depois da próxima esquina"(Gerd Bornheim, citação extraída de aula ministrada na Faculdade de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 1995).

Assim, a sobremodernidade se caracteriza pelo excesso dos elementos onde se apoiaram a cristalização dos fundamentos da era que ficou conhecida como modernidade, sendo a autonomia do sujeito do conhecimento o principal deles. O sujeito moderno, abandonado pelos deuses e rebatido na sua própria finitude encontra na razão a principal força de construção do seu mundo. Contudo os caminhos do “animal racional” desembocaram, mais uma vez no “caminho trilhado pelos homens de duas cabeças” e se tornaram os descaminhos que os levou a crise e reconstrução desta realidade. Desde sempre marcada pelo ritmo das profundas e frequentes transformações da impermanência e da transitoriedade, a ordenação dos espaços de saber e de trânsito das forças relacionadas encontram na diferença excedente sobremoderna, seu novo fundamento. Fluido, volátil, desregulado, transitório, virtual e definitivamente assombrado pelo imponderável, incapaz de ser mensurado pelos instrumentos da razão instrumental.

Se no final do século XX o “fim da história” surge como a constatação de que não haveria mais ideais de mundo a serem perseguidos, o início do século XXI irrompe com a potencia da multiplicidade de novas e infinitas possibilidades, onde o excedente virtual gerado pela aceleração das trocas entre os conteúdos e as expressões interconectados num espaço inextenso e um tempo descronologizado, orientam o fluxo rizomatico através de (não) lugares, onde as fronteiras não são mais capazes de fixar ou circunscrever os elementos das sociedades e dos agrupamentos humanos. Estados, formas de governos, sistemas econômicos, religiões, artes e ciências, tornaram-se capital circulante de uma economia desejante da  dimensão inflada de um “rio sem margem, superfície ou fundo”, que corre sem partidas ou chegadas, num meio que se transforma em cada movimentos, salto ou ruptura desse espaço unidimensional.

Se os últimos movimentos tectônicos no Japão desconstruíram o território nipônico os eventos políticos que tomam lugar no norte da África e no Oriente Médio apontam para a desconstrução de um território de poder, sem que se possa prever a nova forma que irá surgir daí. A emergência de um modelo de mundo onde o tráfico dos conteúdos e expressões se dão numa velocidade vertiginosa não cansa de cobrar a conta do excesso de uma diferença que desorganiza os espaços de circulação do capital sobremoderno e a virtualização das trocas entre as forças atualizadas em cada um destes (não) lugares, identidades locais e formas estabelecidas, apontando realidades que deverão ser marcadas pela singularidade de suas novas configurações, sem que seja impossível determinar qual mundo surgirá destas novas relações globais.






quarta-feira, 16 de março de 2011

O "X" da Questão - Multiplicar a Geração de Bolhas e Colapsos

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“As ações da Petrobras vêm sofrendo há meses pela perspectiva da operação. Fundos de hedge montaram posições vendidas para comprar mais barato na oferta…a estatal registra o segundo pior desempenho do setor no ano, atrás somente da britânica BP, protagonista do maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos”. (Agência Estado 24.09.2009)

Para quem não sabe, os fundos de hedge são organizações financeiras responsáveis por uma carteira de investimentos que busca uma maior rentabilidade para seu portfólio e por isso necessitam de uma estratégia mais agressiva, nem que para isso precisem assumir maiores riscos na alocação do capital investido. Eles movimentam bilhões de dólares ao redor do mundo e portanto são capazes de provocar, através de posições compradas ou vendidas, significativas oscilações nos preços de ativos em qualquer mercado. O retorno financeiro destes fundos é completamente dependente de sua capacidade de “montarem posições” que venham a fazer oscilar para cima ou para baixo o preço de ativos que façam parte de sua estratégia de rentabilização. Ofertas públicas de ações são ocasiões bastante propícias para tais estratégias uma vez que se conseguirem forçar o preço do ativo alvo para baixo, através de uma forte posição vendida, ou seja, realizando um movimento de venda massiva desde ativo ao longo do período que antecede o respectiva oferta, eles poderão comprá-lo de volta muito barato e capturar o upside de preço que aquele ativo carrega. Assim, a queda ou a elevação do preço da ação de uma determinada empresa que tem seus papéis negociados em bolsa, na maioria das vezes, está mais relacionada a ação dos especuladores de Wall Street (economia financeira) do que do desempenho econômico da empresa em Main Street (economia real).

Tenho me dedicado a pensar estes eventos de forte oscilação de preços dos ativos financeiros provocados por estratégias financeiras de determinados grupos de investidores que “montam posições” vendidas ou compradas. Hedge funds, privat equity, bancos de investimentos ou bancos comerciais, pela quantidade de recursos que movimentam no mercado, são capazes de fazer oscilar o preço de qualquer ativo financeiro, quando se posicionam fortemente na ponta de compra ou de venda. São operadores financeiros do mundo inteiro procurando ganhos de arbitragem na terceira casa decimal com operações de milissegundos A força destas posições não está relacionada a nenhuma outra variável ou fator de mercado, mas apresenta-se de forma livre e direta a produzir os efeitos necessários de suas estratégias, criando uma diferença ou desequilíbrio entre as variáveis ou fatores que será suficiente para capturar o ganho pretendido. Permitam-me, neste ponto, ilustrar essa prática através de um exemplo específico, retirado do universo corporativo brasileiro l habitado por grandes grupos empresariais, bancos comerciais e de investimentos, investidores qualificados (aqueles que possuem investimentos acima de R$ 300 mil), pequenos investidores e governo, relacionando-o a um evento ocorrido no século XVIII que fundiu, definitivamente, o gambling com as finanças.

Segundo o historiador Niall Ferguson (A lógica do Dinheiro, p. 366 a 377), no início do século XVIII já havia um grau considerável de integração financeira internacional. Na bolsa de Paris (inaugurada em 1724), as ações podiam ser negociadas em margem ou mediante opções de venda (baixa) ou compra (alta), aumentando a liquidez do mercado e reduzindo os custos operacionais. Também era possível diminuir o risco buscando proteção em mercados a termo. Londres e Nova York já tinham os seus mercados acionários informais muito antes de as bolsas serem formalmente criadas, respectivamente em 1801 e 1817. Foi nesta época que começou na Europa a trajetória de John Law. Filho de um bem sucedido ourives de Edimburgo, Law passou a juventude em Londres, entre mesas de carteado e conquistas de damas londrinas, sustentado pelo dinheiro mandado por sua mãe. Logo cedo, Law demonstrou seu brilhantismo na arte de jogar e de seduzir, perdendo grande somas de dinheiro nas rodas de jogo até envolver-se em um assassinato e fugir para a Europa continental para escapar de ser enforcado. Depois de transitar por todas as mesas de jogos do continente, Law retornou a Escócia em 1704 e começou a esboçar esquemas de reforma econômica a partir de suas ideias acerca das vantagens do papel-moeda. De volta ao continente com suas ideias já desenvolvidas em teorias, tentou vender os seus esquemas monetários a diversos governos, até que o duque de Orleáns tornou-se regente da França, em 1714, e viabilizou as ideias de Law. Amigo próximo do duque, Law consegue, em maio de 1716, a carta patente da Nova Banque Générale que, além de emitir cédulas bancárias, oferecia serviços financeiros básicos como, por exemplo, transferências. Para fomentar a confiança em Law, o regente depositou um milhão de libras francesas no novo banco e, em outubro do mesmo ano, exigiu que os coletores de impostos da França repassassem os pagamentos ao Tesouro por meio das cédulas bancárias de Law; logo depois, a população também foi autorizada a pagar os impostos por meio das cédulas. Em dezembro de 1718, quando os ativos do banco já superavam 10 milhões de libras francesas, a Banque Générale transformou-se na Banque Royale e foram abertas sucursais em Lyon, La Rochelle, Tours, Orléans e Amiens. Law conquistara o controle efetivo dos meios de pagamento da França.

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Logo em seguida, Law adquire a concessão da Companhia do Mississipi e decide transformá-la em uma sociedade anônima por ações, trocando ações por títulos do governo, reduzindo o juro da dívida. Na sequência, Law adquire a Companhia do Oriente, lançando 50 mil novas ações, que poderiam ser pagas, a princípio, em 10 prestações, que logo depois subiram para 20 prestações mensais. O próprio Law adquiriu 90% das novas ações por 25 milhões de libras francesas. Com a subscrição da oferta da Companhia do Oriente ele funde as duas empresas e o resultado desta fusão dá origem a Companhia da Índias, cujo preço das ações não tardou a subir rapidamente, impulsionado pelo dinheiro impresso pela Banque Royale, também controlado por Law. Para aumentar o entusiasmo dos investidores, Law emitia novas ações e dava preferência de compra aos acionistas existentes, além de anunciar generosos dividendos futuros. Dando prosseguimento à sua fantástica seqüência de fusões, Law comprou por 50 milhões de libras francesas os direitos da Casa da Moeda, efetuando o pagamento através de uma nova emissão de 50 mil ações da Companhia das Índias. Porém o lance mais ousado de Law surgiu com a proposta de conversão integral da dívida pública, naquela altura beirando 1,2 bilhão de libras francesas, em ações da Companhia ou anuidade de 3%. Ao mesmo tempo Law ofereceu 52 milhões de libras francesas pelo direito de assumir a coleta de impostos. Mais uma vez, a operação foi financiada por lançamentos de ações. Em Outubro, o preço das ações da Companhia do Mississipi já estava em 6.500 libras francesas, chegando em fins de novembro a 10.000. Na prática, a atividade mercantil pouco representava para a companhia de Law. As perspectivas da Louisiana não eram nada brilhantes e em nada justificavam a escalada de preços. O verdadeiro negócio de Law era a habilidade para criar
estruturas financeiras que engordassem seu patrimônio pessoal, as custas do repasse do risco financeiro para o mercado e do forte apoio do poder do Estado.


Bem, até aqui os fatos relatados parecem retratar eventos de uma época longínqua que lugar no continente Europeu. Onde está a relação com o mercado brasileiro do século XXI ?

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No início da década de 80, o empresário Eike Batista inicia sua aventura no mundo dos negócios. Filho de Eliezer Batista, homem responsável por implementar o revolucionário modelo integrado que transformou a Vale do Rio Doce na atual gigante da mineração, Eike envereda-se pelo caminho da mineração movido pela “febre do ouro e dos diamantes” . No início dos anos 90, depois de alguns projetos de exploração de ouro e diamantes na região amazônica, o filho do ex-presidente da Vale do Rio Doce e ex-ministro das Minas e Energias, sai em viagem pelo mundo e do Canada traz o modelo de exploração mineral das junior companies, que viveu seus diais de glória fomentado pelo boom das bolsas canadenses na década de 90, cuja bolha especulativa chegou ao fim com a fraude da Bre-X, em 1998, envolvendo seis bilhões de dólares. Depois de anunciar a descoberta de uma enorme reserva de ouro na Indonésia, confirmado por um laudo de uma consultoria independente e pelos sucessivos acréscimos anunciados entre 1995 e 1997, que fizeram as estimativas pularem de 30 para 70 milhões de onças, o mercado viu o valor da Bre-X disparar, até que se descobriu que a suposta reserva continha, na verdade, insignificantes quantidades de ouro. O escândalo da Bre-X lançou o mercado financeiro canadense em uma enorme crise, causando perdas significativas para os investidores, em especial para três grandes fundos de pensões públicos canadenses: O Ontario Municipal Employees Retiremente Board, o Quebec Public Sector Pension Fund e o Ontario Teachers Pension Plan, este último presente no capital da maioria das empresas do empresário brasileiro. O modelo das junior companies se estrutura em torno de três pilares principais: na aquisição de um direito minerário qualquer, cujo o valor estimado de reservas é atestado por um laudo emitido por empresas de consultoria, em geral contratadas a “peso de ouro”; na contratação no mercado de experientes profissionais da área (também a peso de ouro), que conferem credibilidade para o projeto; e na atração de um grande parceiro estratégico do segmento. O passo seguinte é conseguir o apoio de instituições financeiras, em geral grandes bancos de investimentos, para financiar o início do projeto através de “empréstimos ponte” que viabilizam a abertura de capital e a alavancagem do projeto.

Foi assim que Eike, em 2005, começou sua trajetória baseada em pilares, que, segundo o próprio, consistem em “gerar riqueza a partir do zero, com empreendimentos estruturantes e com tecnologia estado-da-arte”, a partir da concessão dos direitos de uma reserva de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, que passa a ser o principal ativo da MMX, empresa que torna-se-á responsável pela exploração dos negócios de mineração do Grupo. Replicando o modelo implementado com sucesso pelo seu pai na Vale do Rio Doce, Eike crias 03 sistemas mineradores integrados (mina, logística terrestre e porto): o Sistema Amapá, o Sistema Corumbá, e o Sistema Minas-Rio, esse último encampando os direitos minerários da cidade mineira e se constituindo no principal projeto. Com um time de profissionais renomados oriundos das principais empresas brasileiras, apoiados por instituições financeiras que a essa altura estavam vivenciando o período de extrema liquidez que dominou o mercado financeiro global e que culminou na crise do sub-prime, no final de 2008, e contando com o aval do Estado dada a importância dos projetos para a manutenção do ritmo de crescimento da economia brasileira, Eike inaugura sua empreitada no mercado acionário brasileiro com a abertura de capital da MMX, em julho de 2006, captando cerca de 500 milhões de dólares. A seguir observou-se a reprodução do modelo de junior companies do seguimentos de mineração para outros seguimentos. Em março de 2007 é criada a LLX, inicialmente como uma subsidiária da MMX, e responsável pelos projetos de logística, fundamentais para os negócios de mineração. Em julho de 2007 foi constituída a OGX, empresa que arrematou blocos de exploração de petróleo licitados pela ANP, com os 1,3 bilhão de dólares de uma colocação privada de ações, cujos investidores foram ele mesmo, através da sua empresa financeira denominada Centennial Assent Mining Fund e o Ontário Teachers’ Pension Plan, em novembro de 2007. Logo na sequência, foi realizada a oferta pública de ações da MPX, empresa responsável pelos projetos de geração de energia, em sua maioria compostos por usinas termo elétricas movidas a carvão e que abocanhou 1,1 bilhão de dólares. Em julho de 2008 é a vez da OGX ir a mercado para captar 4,4 bilhões de dólares, a maior oferta pública de ações à época. Em agosto de 2008, o Sistema Minas-Rio, principal projeto de mineração da MMX, bem como o Sistema Amapá é vendido para Anglo American, que já possuía, àquela altura, participação no Minas-Rio, numa transação avaliada em 5,5 bilhões de dólares. A venda do principal projeto da MMX ocorreu exatamente um mês antes da quebra do banco Lehman Brothers, que culminou na prior crise financeira experimentada depois da crise de 1929, que lançou EUA e Europa numa severa recessão e enxugou a liquidez mundial. A essa altura Eike já se considerava o homem mais rico do Brasil e avaliava a sua fortuna em 16,5 bilhões de dólares, dos quais 13,5 referiam-se a sua participação majoritária em todas as empresas e 3 bilhões embolsados em dinheiro pelo negócio com a Anglo.

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Volto neste ponto à Europa no século XVIII, onde três fatores foram fundamentais para o surgimento da bolha financeira da Companhia do Mississipi de John Law: a emissão desenfreada de moeda, o poder de atrair o capital externo e, em última instância, o poder do Estado. Entre 25 de dezembro de 1718 e 20 de abril de 1720, a emissão de cédulas pela Banque Royale saltou de 18 milhões para 2,557 bilhões de libras francesas. Em maio de 1720 já havia em circulação pública mais de 2,4 bilhões de libras francesas. No início de 1720, quando os investidores externos começaram a realizar seus lucros, Law foi obrigado a recorrer aos seus novos poderes de controlador geral para tentar estancar a saída de capitais, porém sem sucesso, vendo a simultânea depreciação das suas cédulas bancárias e das ações de sua companhia, sendo forçado a abolir a moeda em papel, fechar a Banque e impor uma taxa aos acionistas. Em dezembro de 1720, John Law fugiu do país usando um passaporte falso. Embora a fartura de liquidez na França, em 1720, possa ser atribuída ao derrame de cédulas pela Banque Royal, podemos traçar um paralelo entre ela e a farta liquidez global que precedeu a quebra do Lehman Brothers que tinha como fator principal a multiplicação de ativos financeiros por intermédio das sofisticadas operações de derivativos criadas pelo mercado e lastreadas na securitização de empréstimos financeiros a devedores duvidosos. Quando a bolha estourou, no final de 2008, o valor dos ativos sofreu uma forte desvalorização e com eles o valor das empresas de Eike. Como no caso de Law, a atividade mercantil pouco representava para o negócio de Eike, uma vez que sua única empresa em operação até o momento era e continua a ser a MMX, empresa de mineração que ficou apenas com a pequena operação do Sistema Corumbá e com ativos adquiridos em Minas Gerais, que a despeito da capitalização efetuada por um consórcio de empresas chinesas e da recente estruturação financeira em andamento para levantar capital utilizando os ativos da LLX, continuam insuficientes para livrar a MMX dos sucessivos prejuízos que vem apresentando em seus últimos balanços. Ainda assim, o empresário foi adiante como a abertura do capital da OSX, empresa criada com o objetivo de construir um estaleiro que dará conta da produção das embarcações a serem utilizadas no negócio de óleo e gás sob a responsabilidade da OGX. Com menos liquidez e menos apetite dos investidores, a operação da OSX não pôde ser considerada um sucesso e os 2,4 bilhões de reais captados serão insuficientes para levar o projeto de construção naval adiante. Considerando que os recursos captados com as ofertas públicas vão sendo consumidos com o andamento dos projetos e que o mercado já deu demonstração de falta de apetite para continuar financiando a pretensões de Eike, a carta guardada na manga pelo empresário, que era a possiblidade da abertura do capital da Holding EBX, parece não fazer mais sentido. A solução seria tentar continuar alavancando seus projetos ou através de novos financiamentos ou através de parceiros estratégicos dispostos a injetar mais capital nos projetos. Caso contrário qualquer soluço no cumprimento do cronograma dos projetos poderá representar um risco para os atuais agentes que porventura tenham comprometido seus capitais com essa aventura pessoal

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Rei Solitário nas Terras de Momo

 

 Folia 1 Folia 2 Folia 3 Folia 4 Folia 5

Nunca tinha parado para refletir sobre a vida dos “animais”. Digo, esses seres sem qualquer humanidade, que trazem no corpo a marca da irracionalidade. Quando fiquei sabendo que o último livro de Saramago foi um tratado acerca da vida de um “elefante”, pensei o que teria feito o escritor português, nos últimos dias de sua vida literária, diga-se de passagem, iniciada tardiamente, se debruçar sobre um tema, aparentemente, tão distante de minhas emoções.

Até que chegou este último carnaval. Digo isso não no sentido cronológico, mas na temporalidade “brechtiana” do “gestus”, que inaugura um tempo de urgência onde podemos ver surgir a intensidade de um presente, na dimensão última do “tarde demais”. Sem esforço, eis que surge ao longo das caminhadas solitárias pelas ruas do Rio, a imagem do “Rei dos Animais”. Já que a tendência da espécie que se arroga estar acima de todas as outras, frutifica a soberba impressão de realeza, fico com a figura do felino que é tido como habitante do topo de todas as espécies sem letras, cultura ou memória.

A vagar na confusão decretada pelas chaves do rei gordo e bufão, foi possível iniciar uma tentativa de ponte aproximativa que nos levasse a  esse tão distante reino, de cujo o chefe pouco sei, a não ser que ele representa o resultado de uma unanimidade sobre a qual tenho total desconhecimento, que o fez acima de todo o resto do seu reino. Ao contemplar a horda que caminha ao longo das ruas que se tornaram o palco dos dias de momo, sigo na intensão aproximativa que visa reunir mundos tão distante. Seria bom encontrar uma primeira conexão que nos levará adiante em nosso devaneio. Falo da dificuldade de se tornar rei ao logo das empreitadas de conquistas de um território que se abre como reino ou lugar de soberania. Logo, imaginei como teria sido a transição para a realeza do bichano, envolto na competição com os de sua espécie. A constatação a seguir, elencou como fundamental a capacidade de fazer sobressair a essência individual, cujos traços são compartilhados com as demais criaturas do reino, que haveria de se materializar como suprema. Nesse momento, surgiu a dúvida inerente a um conhecimento ufanista que despreza o estar a par de todo o processo que não seja o seu, de como se daria a construção do espaço da realeza, considerando que ele é ocupado por seres iguais da mesmo horda. Haveria espaço para todos os que pretendiam se proclamar alteza? Esta auto denominação pareceu-me complicada, uma vez que tal superioridade depende do reconhecimento dos que se portarão como súditos. Imediatamente, veio-me a mente o processo das monarquias do mundo antigo como exemplo e mesmo as do atual oriente médio, tão estampadas nas manchetes de nossa gazeta terceiro-mundista. Seres equivalentes, ocupando posições hierárquicas distintas.

Como facilitador de tal abordagem tentei traçar um paralelo entre o reino dos animais sem linguagem e o mundo dos animais da internet, no que tange a existência, em ambas as realidades, da diversidade de espécies. Não seria o reino dos ditos humanos portador desta variedade de espécies vistas no mundo dos bichos que não falam, mesmo que a diferença seja demarcada por vias culturais, sociais, econômicas ou políticas? Achei, assim, uma equivalência: corpos desejantes por um território de onde se possa proclamar a conquista; no caso dos animais de cérebro grande, o espaço onde a individualidade grita por um eu. A partir daí, tentei evocar o legítimo direito de trafegar sozinho por entre as turbas de foliões enlouquecidos, com o firme propósito de estabelecer um lugar onde gritaria por minha soberania. Não sem muito esforço senti-me impelido contrariamente a minha quimera, uma vez que se multiplicavam as estratégias coletivas de bando, onde o vai-e-vem solitário decretava a quase impossibilidade de se assumir qualquer direito de realeza. Tentei rechaçar esse sentimento, mas o que estava ao redor insistia em afirmar que só os seres gregários obtinham sucesso nas suas estratégias de conquista da coroa da selva.

Resolvi, então, retirar-me da “savana” e postar-me em um lugar privilegiado de observação, cujos traços da realeza eram estabelecidos a partir de uma mesa bem localizado em um restaurante, banheiro disponível a qualquer tempo e por uma garrafa de “Black label”. De lá podia seguir na reflexão sobre a dura tarefa do rei nos animais. Da paz desse território artificialmente construído, onde a moeda exercia o seu papel de poder, veio-me, imediatamente, a constatação das características fundamentais que compunham o processo de conquista e de reconhecimento coletivo, no espaço de poder da selva. Em primeiro lugar, e não em ordem de importância, ficou claro que o número de dias vividos carecia  estar entre o exato ponto, de onde não tinha se vivido pouco ou muito bastante; nem mais nem menos que o suficiente para se assenhorar da potência que nos eleva acima dos outros da espécie. A seguir veio a conclusão de que fora do espírito de matilha (coletivo aqui utilizado por pura ignorância sobre a etologia dos leões), o tempo decorrido, mesmo que exatamente do ponto de dominância, perdia em importância frente a necessidade da vida coletiva das espécies.

Folia 6

Foi aí que tive saudade dos tempos da tenra juventude e dos currais onde o espaço limitado potencializava as virtudes reais e me perguntei, no mesmo instante, se o rei das savanas africanas não carecia de cercas, mesmo que invisíveis, no interior das quais sua tarefa de ser hegemônico  seria facilitada. De dentro dos limites de meu ponto de observação, os pensamentos, vez por outra, eram interrompidos por transeuntes em busca de um refúgio para darem conta de suas necessidades escatológicas, sem que a visão dos dos corpos feitos organismos, necessitados por aliviar sua angústia fisiológica, ofuscasse o brilho de sua natural vitalidade e esta sem distinção de gênero, diferença que a todo tempo  em que me mantinha fixado na análise da similaridade entre os reinos das feras e dos homens, não passou desapercebida. Mesmo na perspectiva de um macho, a posição das fêmeas nessa incursão eram, senão talvez, o principal objeto de minha atenção. Em bando ou seladas pelas mão de um alfa-dominante, elas circulavam com desenvoltura, desfilando um arsenal de sedução que passava por seus olhares desviantes e indo desembocar nos seus ornamentos cuidadosamente escolhidos para a ocasião. Veio-me a mente a figura da felina, que parte a caça, sem que a imagem do macho real se perdesse de mim. Diferente do que pude absorver pelos inúmeros episódios veiculados por esses canais a cabo, nos quais nos detemos apenas por poucos minutos, no frenético “zapping” do controle remoto, as fêmeas das espécie humana não estão solitárias na arte da caça. Mesmo que de forma, aparentemente, passiva, elas compartilham a responsabilidade da refeição com os pares de cromossomos XY.

Isto posto, fui capaz de estabelecer, senão a única, mas uma diferença fundamental  que coloca os da raça de adão, mesmo que vistos sob a perspectiva de um dia de folia, apartados dos da espécie que não escrevem livros, onde a instintiva luta pela melhor comida e pela manutenção do espaço soberano, dividido com os de outras espécies irracionais, depende da máxima de que o mais forte prevalece. A força no reino dos seres da linguagem é incapaz de ser detectada pelo prisma do puro vigor físico, principalmente quando ele é comprometido pelos neurônios mergulhados em alta doses de álcool. Tomo um gole do “scotch” e pergunto se a vida dos felinos não seria mais desejável do que a deste arremedo biológico tão separado de seus instintos, pela habilidade de se fazer humano. Fica a dúvida da resposta não dada, uma vez que o território subjetivo de observação parece o melhor lugar para se decretar a supremacia de um solitário no carnaval do Rio.