domingo, 27 de fevereiro de 2011

As Tramas da Nova Rede Global

"O Mundo está em crise; a sua maior economia, numa recessão. Como é possível, num quadro assim, os preços subirem?

- Nós analistas, estamos diante de um desafio maior agora. O Brasil nunca esteve tão ligado ao mundo, mas ao mesmo tempo, nunca esteve tão preparado para uma crise; mas o mundo mudou muito. Fazer análises e previsões agora é mais difícil.

 Como diz José Roberto (Mendonça de Barros), nada é simples como foi no passado. É cada dia mais desafiador entender o que está se passando no mundo e suas conexões entre as economias." (Panorama Econômico - Míriam Leitão, O Globo, Edição de 02/04/2008)

A atual crise da economia norte-americana, em contraste com a pujança e vitalidade das economias de alguns países emergentes, tem levantado uma discussão que  aponta para uma aparente contradição.  Diversos analistas têm tentado avaliar até que ponto se poderia afirmar que haveria espaço para se supor um possível descolamento que imunizasse as demais economias mundiais dos efeitos da atual turbulência enfrentada pelos Estados Unidos.

Num mundo amplamente conectado através do aprofundamento do processo de globalização, haveria de se supor a impossibilidade de um descolamento dos eventos, o que limitaria a discussão a se tentar prever quanto tempo seria necessário para que uma recessão na maior economia do planeta  contagiasse os demais agentes globais.

Esta avaliação reforça a  idéia de uma contradição entre  os fenômenos da globalização e do  descolamento. Contudo, este paradoxo  poderia ser superado se considerássemos válida a seguinte premissa:

As conexões globais da sobremodernidade se dão em forma de rede.

A noção de rede permite escapar à aparente oposição entre o local e o global  e nos fazem concluir ser possível evitar uma crise sistêmica de proporção global, mesmo estando em crise  a principal economia do globo.

O ponto de partida desta análise deve residir, ele mesmo, na diferenciação entre os conceitos de sistema e de rede, e seu impacto no atual processo de globalização econômica mundial.

Os sistemas são concebidos como  agregados mecanicistas de partes, em relações causais separadas umas das outras, o que resulta em uma concepção de causalidade linear unidirecional.  Já a noção de rede designa uma estrutura de interconexão  onde os elementos em interação formam um conjunto instável, ligados entre si, mas onde o fluxo dos conteúdos não apresenta a seqüência linear de um sistema.

Ao invés de um desenvolvimento linear, as conexões da sobremodernidade devem ser entendidas numa perspectiva de um horizonte móvel e numa lógica errática de giros e curvas abruptas em lugar de uma racionalidade  que aponta para causas de  efeitos lineares e predeterminados. A multiplicidade de variáveis, arranjos, combinações, efeitos de sentido e de dimensões aleatórias que proliferam no processo de globalização sobremoderno,  apontam para eventos que, apesar de conectados, mantêm uma certa independência  entre si. 

Este aparente quiasma entre a interconexão e a independência dos eventos pode ser explicado se nos detivermos, em  pelo menos duas das principais características do funcionamento de uma rede.

A  primeira delas é a da multiplicação da quantidade de conexões;  o sem número de possibilidades que se abrem a partir da quantidade de bifurcações encontradas pelo movimento dos conteúdos em uma rede.  Ela é capaz de imunizar o efeito das ações causais durante o fluxo dos conteúdos, isolando elementos e evidenciando a autonomia de diferentes movimentos. A possibilidade de modificação contínua das linhas conectadas de uma rede imprime novas direções, condicionando, sem contudo determinar, conexões futuras.

Para ilustrar este princípio basta imaginar o processo de pesquisa em um site de busca na internet. Muitas vezes o conteúdo original de uma busca deriva, indefinidamente, a partir da quantidade de possibilidades apontadas, ao ponto do resultado final estar completamente desconectado do primeiro elemento.

A segunda característica do funcionamento de uma rede é o multipertencimento das conexões e da origem e destino dos fluxos; qualquer ponto de uma rede pode ser conectado a qualquer outro, e deve sê-lo. Diferente de um sistema centrado, no qual existe um ponto fixo a partir do qual todas as relações se realizam, o funcionamento de uma rede pressupõe conexões  movendo-se para todos os lados e direções, que não obedecem uma ordem hierárquica ou de filiação.

Ao entendermos, pelo menos, estas duas características do funcionamento da nova rede global, não fica difícil perceber que não existe contradição entre o local e o global,  interconexão e  descolamento. Basta fazer um esforço para perceber que o grau de correlação entre os eventos da sobremodernidade está definitivamente afetado por este novo modelo, onde entre dois eventos relacionados multiplicam-se uma série de movimentos e bifurcações que praticamente os isola ou individualizam.

Assim, manchetes como: "UBS registra baixa de US$ 19 bi no trimestre, mas bolsas têm alta de 3%", são cada vez mais comuns e nos fazem crer que o descolamento dos eventos ou mesmo de economias, não só é uma possibilidade, mas sim uma característica da nova ordem global.

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