domingo, 27 de fevereiro de 2011

Os Fantasmas Sobremodernos

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Tempo posto

costa o canto sem espanto

Entretanto empurra o centro

pras esquinas de um vazio

quase santo

Que se afasta a percorrer

os seus espaços todos brancos

 

"Ele  que se escondia no fundo de nós (do nosso corpo, do nosso inconsciente) e cuja forma secreta alimentava precisamente o nosso imaginário, com a condição de permanecer secreta, é extraído por laser, é sintetizado e materializado à nossa frente, tal como nos é possível passar através dele e para além dele" (Jean Baudrillard - Simulacros e Simulação, p. 135)

Na  busca por um espaço que se abra como uma tessitura de linguagens e sentidos, entrelaçando palavras, imagens, formas, cores, sons e movimentos, a sobremodernidade veicula uma imagem fantasma, cujas principais características seriam o nomadismo e a volatilidade. Tais características impregnadas de atributos vinculados à velocidade, imprimem uma agilidade na traficância das linha que se entrelaçam e imiscuem-se na alternância de suas tramas. O fantasma aqui, não se vincula ao questionamento sobre o real ou o imaginário, mas reivindica a propriedade topológica  de uma superfície de contato entre as formas de conteúdo e de expressão , interior e exterior, desdobrando-os em um só lado, lado este que não se encontra algures ou alhures. "Nem ativos nem passivos, nem internos nem externos, nem imaginários nem reais, os fantasmas têm realmente a impassibilidade e a idealidade do acontecimento. Diante desta impassibilidade, eles nos inspiram uma espera insuportável, a espera daquilo que vai resultar, daquilo que já se acha em vias e não acaba mais de resultar" (Gilles Deleuze - Logica do Sentido, p. 218).

Os fantasmas são fenômenos que preenchem os espaços onde as conexões entre realidades corporais e incorporais, matéria e memória, processos individuais e coletivos se desenrolam; (não) lugares onde o atual e o virtual trocam de papel a todo instante e se tornam indiscerníveis.  Estes espaços topológicos, que permitem a formulação dos conceitos de convergência, conexidade e continuidade, assumem  a forma de uma imagem numérica que, através de sua estrutura organizacional de preenchimento dos "frames", simula um mundo sem o representar, dele  libertando-se e criando um espaço virtual onde os conteúdos atingem dimensões fractais. Não mais como formas das singularidades impessoais aprisionadas na profundidade de onde se produziam efeitos de superfície, o fantasma faz convergir elementos que não param de mudar ao longo do fluxo das múltiplas conexões que se dão em tempos e espaços mínimos, em uma veloz alternância. Assim os fantasmas sobremodernos são as zonas de intervalo entre  as conexões das formas de conteúdo e as formas de expressão em seu processo de atualização. Zona de indiscernibilidade entre o ponto de onde as formas virtuais se deslocam e o momento em que estas ingressam no espaço da atualidade, princípio que viabiliza a essência deste intervalo espectral.

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Os fantasmas sobremodernos liberam a possibilidade de uma imagem independente de sua base no real: o pixel. Ela mesma assume a sua realidade a partir dos processos de automatização, onde cada ponto e linha que  compõe o pixel prescindem de uma base no objeto real.  Ele não representa nenhum ponto de qualquer objeto real, mas ele mesmo é a realidade que será ordenada numericamente e posteriormente decomposta pela retina. "Se alguma coisa pré-existe ao pixel, isto é o programa" (Edmond Couchot - Da Representação à Simulação - Artigo publicado em A Imagem Máquina, Org. André Parente p.42), não mais uma suposta base direta de realidade. A imagem numérica simula um  mundo, não mais o representa. O programa  gerencia o funcionamento da realidade espectral a  partir dos sinais enviados pelos corpos através das interfaces; os dados se transformam, pelos deslocamentos dos corpos, em informações numéricas. Uma série de cálculos matemáticos analisa os dados e os devolvem em imagens e sons. Como mosaico de pontos, o pixel passa, então, a uma ponte de convergência entre a automatização da geração e o constituinte mínimo do que é gerado, alternando, indefinidamente, as informações numéricas e as imagens constituídas.

As imagens sobremodernas são a síntese de multiplicidades extensivas e intensivas que vagavam como fantasmas nômades e às quais eram conferidas um status de ilusão e falsidade. Ao se libertarem do campo de atração do real, da representação e do seu centro ótico, elas assumem, definitivamente, uma realidade; numérica e "sem substrato material além da nuvem eletrônica de milhões de micro-impulsos que percorrem os circuitos eletrônicos do computador, uma realidade cuja única realidade é virtual " (ibidem, p. 42). Os pixels são zonas de indiscernibilidade entre as múltiplas partículas e as ausências ou buracos que as materializam e  as fazem sumir, em um movimento mais veloz  que o limite que pode ser mensurado pelos físicos modernos. Como fantasmas, definem um espaço entre o que se procura e o que ainda não foi encontrado. "De um lado, as multiplicidades extensivas, divisíveis e molares; unificáveis, totalizáveis, organizáveis; conscientes ou pré-conscientes - e, de outro, as multiplicidades libidinais inconscientes, moleculares, intensivas, constituídas de partículas que não se dividem sem mudar de natureza, distâncias que não  variam sem entrar em outra multiplicidade, que não param de fazer-se e desfazer-se, comunicando, passando umas nas outras no interior de um limiar, ou além ou aquém" (Giles Delleuze - Mil Platôs - Vol I, p. 46).

Uma vez que o "espírito sobremoderno" libertou-se da tentação de distinguir o falso e o verdadeiro, a cópia do original e a realidade da ilusão, ele acaba potencializando a capacidade afirmativa do virtual com elementos que afirmam a realidade. Além disso, a dinâmica sobremoderna imprime à realidade um status de mobilidade que aponta deslocamentos contínuos, como  escapes indefinidos, onde a impossibilidade de aprisionar o real em qualquer ideal de verdade, faze-o distanciar-se de todos os centros de gravidade e de equilíbrio. Este decentramento propicia a alternância de sentidos nos cruzamentos das multiplicidades, que convergem para uma região onde desfazem-se e se reconstroem a todo tempo. Lugar onde as identidades dos conteúdos são indeterminadas e suas verdades indiscerníveis. Zona do menor espaço e tempo possível, de onde já não é mais possível descrever as imagens a partir de um perspectivismo fixo de um único observador e de uma projeção ótica de um real preexistente, a não ser pela convergência entre a simulação da realidade através de  modelos que alinham os pontos em sua permanência mínima e de olhares que com eles interagem. A potência do virtual só é capaz de produzir efeitos caso se consiga propor modelos que se expandam e contraiam permanentemente e que permitam ser recortados, a todo instante, por aberturas que se comuniquem e que permitam que as multiplicidades por eles conjugadas, possam mudar de natureza a cada nova conexão.

"Supremo astro do ser! Painel de eternas configurações!...O que ainda ninguém contemplou... -que nenhum desejo alcança, que nenhum não macula "( Friedrich Nietzsche -  Ditirambos de Dionísio - Glória a Eternidade)

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