domingo, 27 de fevereiro de 2011

Acontecimento Como o Devir do Campo Transcendental

Alma Azul Taça

Começar um texto com uma pergunta parece ser a maneira mais propícia, uma vez que já possuímos, de antemão, a resposta e precisamos apenas de uma indagação original que nos permita situar o alcance do problema a ser proposto. Contudo esta pergunta há de ser precisamente formulada sob o risco de nos afastarmos do problema original, com o qual nos propusemos a trabalhar e que nos insta a descrever suas soluções. Partamos, porém, do problema por traz da pergunta: o homem lançado no mundo contempla a marcha da realidade da qual sua vida é o principal exemplo. Como poderíamos descrever o processo de geração do mundo onde o homem se encontra, a partir da idéia que o lançamento do homem no mundo seria o ponto de partida para a construção de uma infinidade de mundos? De início precisamos explicitar  os conceitos com os quais iremos trabalhar para que não haja dúvida acerca do uso de cada um deles que faremos aqui.

Ao dizermos “homem” nos referimos a este processo de ser-no-mundo que define tanto o homem quanto o mundo no qual ele é lançado e não um universal que carregue, a priori,  as características essenciais dos objetos aqui definidos. E ao nos referirmos a este ato como um processo, de saída, já denunciamos nossa inclinação para pensarmos a realidade das coisas descritas como uma relação entre eventos. Cada evento possui sua individualidade que é o limite que o distingue dos demais e está relacionado a todos os outros que dele se diferenciam. Voltemos à nossa pergunta-problema. Como se dá o processo de lançamento do homem no mundo, considerando ambos, homem e mundo como uma atualização espaço-temporal de um conjunto de possibilidades que se individuam no momento do lançamento? Vejamos primeiro o processo de lançamento que é o evento que dá inteligibilidade tanto à descrição do homem lançado, quanto do mundo como espaço do seu lançamento. Aqui efetuaremos a primeira distinção que reside nas categorias de espaço e de tempo. A perspectiva que situa os eventos nos limites espaço-temporais induz o pensamento a produzir conceitos relacionados ao “antes e depois”, ao “aqui e em outro lugar”. Pensar de dentro dessa perspectiva limita o entendimento e obriga a situarmos qualquer evento nos limites de uma passagem cronológica e a um espaço geométrico. Assim, há de se construir uma descrição de uma realidade que não se limita às categorias espaciais ou temporais, tomadas como ponto de partida de qualquer evento a ser analisado. A partir daí, diríamos que o homem existe como um conjunto de possibilidades que só se individuam no momento em que se processa o encontro das forças que sustentam aquilo que ele se torna no espaço e no tempo.  Até aí sua existência se dá numa dimensão virtual do conjunto de possibilidades, que irão ser limitadas por uma dinâmica,  que as recolhem e fazem saltar como indivíduos no mundo. Da mesma forma, o mundo enquanto não atualizado na dimensão espaço-temporal, existe apenas como um conjunto de mundos possíveis, existência esta que habita a dimensão de uma realidade virtual, pré-individual, a-temporal e inextensa.

Fim de Tarde

Chegamos, então, a duas realidades e a um processo de passagem: uma virtual, pré-individual, a-temporal e inextensa e outra atual, individual, temporal e extensa. A passagem entre as duas se dá através de um campo onde os dinamismos  reúnem os possíveis e os fazem saltar  para a dimensão do evento atual. O processo se localizaria, portanto, em um campo posto como interface das dimensões atuais do “já” e virtuais do “ainda não”. Chamemos este campo de campo transcendental. Neste ponto apelamos para a revolução ocorrida no seio das teorias científicas a partir do final do século XIX e que renovou radicalmente os fundamentos da ciência, abrindo caminho para uma nova forma de compreender a realidade do mundo em que vivemos e para uma nova formulação das leis da natureza.  É com esta nova formulação que iremos trabalhar, para entendermos o processo que se passa no campo transcendental onde operam os dinamismos de transição de estados de energia, que chamamos de acontecimento. O acontecimento é a interface de convergência das singularidades energéticas pré-individuais, onde cada lance é uma distribuição de frequências que ressoam num encontro onde predomina o acaso, limitando as tendências no seu espaço virtual e lançando-as no mundo da entidade atual.

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Se pensarmos a dimensão pré-individual do conjunto de possibilidades como o caos originário que concentra  toda a energia em um estado indeterminado, chegamos a uma idéia que se equivale à concepção de um meta-universo, também chamado de vácuo-quântico ou estado estacionário. Este estado conteria a totalidade da energia e da matéria do universo e associaria a sua origem a uma singularidade. Como descrever esta singularidade através de leis que não podem ser aplicadas a um ponto que concentre uma densidade infinita de matéria e de energia? No final do século XX nasce uma nova ciência: a física dos processos de não-equilíbrio. Novos conceitos, como o da “auto-organização” e das “estruturas dissipativas”, passaram a descrever o papel primordial das flutuações e da instabilidade para a construção de sistemas dinâmicos instáveis que possam dar conta da realidade do mundo dos homens. Combinadas com as teorias da mecânica quântica, estas teorias procuraram ressaltar a volatilidade dos processos atômicos, a partir do comportamento errático das partículas sub-atômicas e dos quanta de energia responsáveis pela constituição do mundo material, observável pela experimentação. Talvez a maior conquista deste novo modelo de ciência, tenha sido a constatação da equivalência entre matéria e energia, pois, a partir daí, consegue-se romper com um dualismo que perseguiu o pensamento ao longo de toda sua história e que estava na base das concepções materialistas da ciência, que limitavam o campo do conhecimento científico, a partir de seus esquemas determinísticos e suas relações causais. A partir da afirmação que a energia possui massa e que a massa é energia, chegou-se à compreensão de que os átomos, as partículas e os corpúsculos são quanta de energia. Estava aberto, então, o caminho para se seguir o rastro das partículas e de suas cargas energéticas circulantes no conjunto de relações que se processam em suas trajetórias. Uma vez que as partículas passam a ser consideradas quanta energéticos, ao invés de se perseguir as propriedades de identidade e individualização como limites permanentes para a matéria, passou-se a admitir a matéria como níveis de energia e estes como frequências de vibração que constituiriam os “corpos reais” do átomo. Assim  as transferências materiais passam a ser vistas como ressonâncias entre frequências de vibração.

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Se admitimos um estado onde são relacionadas todas as possibilidades, que permaneceriam juntas, ao mesmo tempo, e que  excluiriam umas às outras, podemos inferir um “quase-limite” que  circunscreva o campo destas exclusões recíprocas e que reúna as tendências que saltarão  para a dimensão espaço-temporal. Nele seriam distribuídas as singularidades nômades correspondentes à relação diferencial, aos gradientes e às vizinhanças intensivas das diferenças de  potencial que as singularidades relacionam,  num estado indeterminado e inextenso. O processo de individuação ocorre quando estas singularidades ressoam, se comunicam e se integram no acontecimento, crivo que recorta no caos de todas as possibilidades aquelas que irão constituir os indivíduos atualizados no espaço e no tempo. Como uma membrana ou “quase-limite”, o acontecimento apresenta uma condição funcional e energética capaz de garantir a tensão de um modo de organização das singularidades, enquanto energia potencial, que efetuará a transferência energética e momentânea  nos processos radiantes.  No salto do estado virtual das possibilidades para o estado individuado, o acontecimento processa as singularidades que comportam-se de forma  imprevisível ao longo de um tempo não integral, sem função, período ou duração, oscilando, indefinidamente, até a estabilização em um novo nível de energia.

Até aqui tentamos seguir o processo de individuação, que recorta do caos de todas as possibilidades e as potências que emergirão como realidades atuais na combinação das ressonâncias entres as frequências que sustentam a matéria orgânica e inorgânica. Chamamos a interface através da qual se processa essa passagem de acontecimento e o local onde a passagem ocorre de campo transcendental, uma vez que não está localizado na dimensão espaço-temporal. Constatamos também que o século XX surge como um limiar de uma era onde se intensificou a forma de conceber a matéria como um processo em interação entre partículas chamadas de quanta de energia. Agora, gostaria de propor a análise de um fenômeno que tem se manifestado ao longo dos últimos 20 anos, como fruto de uma alteração provocada na base da estrutura cognitiva do indivíduo humano, que faz surgir no emaranhado de construções estabilizadoras e doadoras de equilíbrio,  a incerteza como peça chave da compreensão de todo o universo ao redor.

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O princípio da incerteza tem origem na constatação da impossibilidade de se impor os limites fixados pelas medidas de convenção, como critério de certeza, uma vez que o próprio ato de medição gera uma alteração do conteúdo medido. Aliado à relativização dos referenciais de critério, o modelo de conhecimento clássico passa por uma revolução que acompanha a transmutação de costumes que se processa nas sociedades ocidentais pós segunda guerra. Os rígidos vínculos que mantinham a realidade material coesa foram sendo afrouxados, apresentando uma infinidade de realidades imperceptíveis a olhos doutrinados pelas formas de saber deterministas. Às experiências científicas do início do século XX , que demonstraram ser impossível precisar a localização exata das partículas, veio se unir a potencialização das inúmeras possibilidades de combinação energéticas entre os quanta. Se a realidade atual passa ser uma questão de possibilidade provável, libera-se uma potência que multiplicará a quantidade de arranjos possíveis das partículas que compõem a matéria do mundo e do homem nele lançado. Inaugura-se, então, uma era onde se explorará o sem número de possibilidades de combinação entre os quanta de energia. Se foi através do movimento que os quanta combinados geraram a matéria atual, a elevação da frequência dos quanta de energia a uma potência levada ao limite,  volatiza as ressonância e faz com que a realidade atual se virtualize, desmaterialize e mergulhe de volta no caos de todas as possibilidades. Eis que nos defrontamos com o processo de virtualização que tem dominado a cena sobremoderna.

Partindo de um dos postulados da física relacional, de que a soma de todas a energias de interação entre qualquer corpo e todos os outros corpos do universo é sempre nula, diríamos que a materialização desta soma através de um processo interativo de múltiplas conexões instantâneas, que permitisse relacionar qualquer corpo com todos os outros, viabilizaria, desta forma, o retorno dos estados energéticos atuais a uma  meta-estabilidade pré-individual. Este retorno é a base do processo de virtualização sobremoderno,  passagem do “já” para o “ainda não” que reivindica o acontecimento como a mesma interface que servir ao processo inverso. O processo de virtualização dos conteúdos atuais explode o núcleo individuado que concentra as singularidades atualizadas, liberando o potencial energético ali retido, como  conjunto de mundos possíveis, lançando os corpos de volta à dimensão virtual pré-individual, a-temporal e inextensa. Volta que se processa através da intensificação das forças que atuam na dinâmica dos conteúdos individuados e reivindica a estática de um não-movimento, através da aceleração das partículas elevada à enésima potência, velocidade que imobiliza pela multiplicação dos fluxos e lança os eventos atuais na dimensão de uma meta-estabilidade. Descrita e avaliada diferentemente por diversas disciplinas do saber, a era das transações em milissegundos aprofunda o princípio do desequilíbrio e da assimetria, através dos avanços obtidos pela nanotecnologia, capaz de produzir o processamento de um grande quantidade de dados em um menor espaço de tempo possível. O aumento da velocidade das trocas entre os conteúdos tem como consequência uma série de transformações na realidade atual, desmaterializada, virtualizada e lançada de volta do caos te todas as possibilidades, através da interface chamada acontecimento, conceito sobre  o qual os estóicos já se debruçavam a pelo menos 24 séculos.

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