domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Nova Era – Artigo Publicado em 05/10/2019

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A crise que se instaurou nos mercados mundiais a partir da série de eventos que sucederam o ano de 2007 e que ficou conhecida como a “era pós sub-prime”, trouxe uma nova configuração aos sistemas financeiros ao redor do globo e acabou alterando o padrão comportamental de toda a humanidade. A volatilidade extrema dos fluxos financeiros e das trocas econômicas entre os agentes sociais levou a civilização dos “seres da razão ordenadora” a uma situação, a partir da qual passou a ser impossível prever qualquer evento futuro através da fixação de padrões comportamentais do passado, dada a velocidade como se processavam os movimentos e as ações.

Uma vez que os resultados futuros tornavam-se impossíveis de serem precisados, os “homens da razão pós-utopias absolutizantes” - velhos comunistas, capitalistas financeiros, religiosos reformistas, biólogos geneticistas e profetas do porvir – tiveram mais tempo para se dedicar ao momento, ou melhor, ao instante presente, único e singular, cuja repetição se tornou impossível e as consequências indetermináveis. Instante onde os sentidos se liberam para os brilhos e as cores de cada novidade. Como um tordo que canta a cada alvorada e a cada crepúsculo, os “homens da razão instrumental” conseguiram construir, finalmente, uma sociedade onde o tempo perdeu o sentido de sucessão de eventos, entrando na dimensão da duração do menor instante, conseguindo, enfim, capturar a eternidade presente no transitório de cada forma. Os analistas dos fenômenos futuros, por sua vez, a partir da falência dos seus modelos, incapazes de dar conta dos eventos impermanentes e imponderáveis, engrossaram as fileiras de profissionais que necessitavam descobrir um novo mercado de atuação. Deste grupo saíram novas propostas de empreendimentos, todos alinhados ao novo paradigma da transitoriedade dos eventos. A partir daí, foram criados novos modelos mentais que se baseavam nas premissas de uma sociedade incapaz de prever o desenrolar de sua história.

Sem a orientação do passado e a visão do futuro, os “indivíduos da revolução tecnológica”, passaram a se dedicar com mais afinco a realizar os seus desejos, não cogitando mais a hipótese de adiar qualquer gratificação. Tal economia desejante influenciou o padrão de consumo da sociedade “pós sub-prime”, fazendo com que  os recursos acumulados pelos agentes fossem utilizados nas realizações do menor instante possível. Assim a energia libidinal e os recursos disponíveis no mercado foram liberados, integralmente, da necessidade de retenção para realização futura. Os recursos em circulação eram direcionados para a satisfação imediata, e a cada desejo realizado mais energia instintiva era liberada, gerando mais recursos disponíveis  à produção. Com tanta energia em circulação, a produção passou a ser direcionada à um consumo em tempo real, fazendo com que os desejos passassem a ser integralmente atendidos. Desta maneira, as empresas foram ficando obsoletas, uma vez que não havia mais a necessidade de produção em escala, viabilizada pela acumulação de recursos por um único agente, cuja tarefa era gerir os recursos escassos e produzir com  eficiência máxima. Os indivíduos da “nova era” assumiram o duplo papel de fazer circular, tanto  sua energia libidinal quanto os recursos necessários para sua gratificação, na exata medida de sua satisfação.

Este deslocamento do eixo do tempo, deu ao presente uma prevalência em relação ao passado e ao porvir e ao capital uma dimensão de gratificação instantânea. Aquilo que parecia inteiramente submetido ao capital, ou reduzido a mera passividade, a vida, aparece agora, nesta nova máquina social, como um capital, como a fonte de maior valor, reservatório inesgotável de sentido, de formas de existência, de direções, que extrapolam as estruturas de comando e os cálculos antecipatórios de poderes constituídos que pensavam pilotá-la. As forças vivas presentes nesta nova rede social deixaram assim de ser reservas passivas à mercê de um sistema insaciável, para se tornarem positividade imanente e expansiva que os antigos modelos não mais conseguiam regular, modular, controlar ou capturar, preservando a constante de cada evento de capital, de cada evento de vida. A nova era, que teve início com os eventos, assistidos como um espetáculo pelos “homens da razão apaziguadora”, onde ficava, cada vez,  mais difícil distinguir a dita “economia real” e o dito “mercado financeiro”, gerou um espaço onde produção, especulação, ativos, empresas, derivativos e desejos, misturaram-se como “sementes num grande saco”, onde passaram a coexistir em perpétua interação. Desta mistura poderia sair qualquer coisa, inclusive a nova máquina social que reordenou os conteúdos da nova era, submetendo a potencia de criação e de realização de mundos possíveis a sua própria indeterminação.

Se a  instabilidade do sistema financeiro mundial da era pré sub-prime estava vinculada à necessidade de rolagem da dívida pública mobiliária de alguns agentes e países, a incerteza quanto ao comportamento de fatores como trajetória das taxas de juros, câmbio e inflação levou a máquina social a assumir, definitivamente, seu caráter cubista. O regime de câmbio flutuante num contexto de livre mobilidade de capitais  implicou numa extrema volatilidade das taxas de câmbio e de juros. A imprevisibilidade da evolução das taxas de câmbio, que estimulou a especulação nos mercados de câmbio, e os fluxos de capitais de curto prazo  acentuaram ainda mais a volatilidade dos mercados de divisas, levando a máquina social da nova era a enterrar, definitivamente, noções tributárias da metafísica ocidental tais como realidade, tempo, espaço, verdade e memória, que já tinham sido profundamente desestabilizadas pela textualidade de determinados pharmakós da linguagem sobremoderna que insistiam em um processo executado na e pela linguagem, capaz de deslocar seu próprio fundamento, através de uma de uma vasta biblioteca de indecidíveis e sonhos de dúvidas e certezas. A co-existência e sobreposição de lugares que se processou na sociedade da nova era, completou o trabalho de unidimensionalização iniciado na sobremodernidade. A instantaneidade da ocupação de muitos lugares a um só tempo, que tinha se iniciado com as tecnologias virtuais do Vale do Silício, completou-se na dupla circulação, das energias libidinais e dos recursos produtivos em conexões que os atualizam e os fundem , em tempo real, na duração do  menor instante possível, tempo da nova era. Aquilo que Picasso tinha apresentado em suas telas, pode, enfim, saltar para o mundo dos viventes.

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