domingo, 27 de fevereiro de 2011

Notas Sobre O Politicamente Correto

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Em um cenário de quase indiferença da sociedade civil organizada para com aos fatos políticos, suas repercussões e desdobramentos, seguindo o rastro do “politicamente correto” retorno ao artigo de César Benjamin, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, intitulado “Os Filhos do Brasil”, publicado na Folha de São Paulo, em 27/11/09. O texto aborda a experiência de Benjamin na prisão, durante a ditadura militar, revelando os temores  que o acompanharam durante o período em que esteve preso. Como contraponto desta experiência e a partir do gancho que pega no filme “Lula  o filho do Brasil” para expressar suas diferenças ideológicas com o partido que ajudou a fundar, ele relata  uma conversa mantida com Lula, durante a campanha presidencial de 1994, quando este era candidato ao cargo executivo pela primeira vez, na qual Lula teria  relatado sua tentativa de manter relações sexuais com um companheiro de cela, na qual esteve preso por 30 dias, em 1984. O ex-militante do PT aponta a “transgressão” de Lula em seus dias na prisão, supostamente a ele confidenciada, como referência simbólica da divergência política que iria se estabelecer entre os dois.  A intenção de Benjamin parece ser a de confrontar o elemento mítico presente na aura que envolve a figura pública de Lula com o teor factual de uma experiência sua qualquer. Ressaltando tal contradição, ele justifica seu rompimento com o atual presidente e a partir da  condenação de uma ação tida como inaceitável, lança as bases do que seria, sob seu ponto de vista ético, uma ação politicamente incorreta.. Mas afinal de contas, o que vem a ser o “politicamente correto” ?

No texto do ex-preso político o julgamento sobre o que é politicamente correto passa por um juízo claramente influenciado pelo temor íntimo que o assombrou durante todo o período no qual esteve preso, a saber, a possibilidade de ter que manter relações sexuais com outros homens na prisão. A partir daí ele  concede humanidade e correção de caráter a todos os companheiros de prisão que não permitiram que este temor fosse materializado, independente de outras ações quaisquer, politicamente corretas ou não, relacionadas às histórias destes homens. O fato destes prisioneiros o terem poupado do horror pessoal que o perseguia desde o início de sua experiência prisional (e muito provavelmente o perseguiu durante toda sua vida) é transformado em critério positivo de julgamento e passa a ser o fator determinante que o levará a condenar as supostas atitudes do presidente como abomináveis. Enquanto isso, os demais personagens de sua história foram redimidos e humanizados a partir do  seu critério particular. A partir deste exemplo podemos evoluir até os fundamentos da construção de critérios para uma base de julgamento das ações consideradas politicamente corretas ou incorretas, em um mundo onde os movimentos políticos procuram novos espaços de experimentação e cujas práticas definirão novos horizontes para a ação política que preencha o hiato que se apoderou da cena política nacional.

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Comecemos pela definição do que é política. Gostei muito de uma definição simples de política que ouvi outro dia na qual a dizia como sendo a dinâmica das relações de poder entre  grupos e indivíduos em dada sociedade. Como toda relação de poder é um jogo de forças em constante movimento, acredito   que não deveríamos tomar  o conceito de política como uma noção que uniformizasse os procedimentos a partir da homogeneidade do consenso de um grupo ou indivíduo qualquer. A política deve ser uma noção que libere as singularidades dos territórios existenciais e domínios de diversos modos de vida. Por se referirem a territórios em constante movimento de transformação e cheio de alternâncias, os paradigmas de uma ação politicamente correta não deveriam ser definidos por um conjunto que fosse fruto de qualquer tradição específica, dogma, prática individual ou culturalmente aceita. Como um limite que define o território do aceitável e delimita a negação do horror e do abominável, esta perspectiva ético-política só poderia ser pensada a partir das ações de sujeitos humanos singulares, sempre em movimento por  espaços existenciais nômades, onde a produção de existência humana encontra sempre novos contextos. Assim, o  repúdio do inaceitável jamais poderia emergir de qualquer critério encravado num sentimento pessoal ou coletivo, mas sim dos móveis dispositivos de singularizarão do ser-em-grupo, afirmando sistemas multipolares  articulados em torno da relação dos sujeitos com o meio ambiente, com o socius e com a produção de subjetividade humana. Se no passado os componentes morais de polaridade dualista, religiosos ou ideológicos eram fundamentais para a construção de uma ética política voltada aos princípios humanistas, nos dias de hoje as relações da humanidade com a sociedades, com a psique e com a natureza desembocam em ações que ao invés de se constituírem  a partir de regras práticas para as ações dos sujeitos humanos, liberariam as antinomias presentes nestes pólos. A inter-relação das práticas sociais, subjetivas e ambientais deve delimitar aquilo que é verdadeiro, honesto, justo, puro, amável, de boa fama, virtuoso ou louvável.

Diferentemente  da perspectiva dos valores  estabelecidos, a priori e a partir de um padrão qualquer de verdade, honestidade, justiça ou bondade que seja capaz de condenar ou absolver ações, a lógica do politicamente correto deve considerar uma maneira de viver neste planeta que aprenda a relacionar ecossistemas com universos singulares de referências sociais e individuais. Talvez tenha chegado a hora da humanidade desempenhar o papel descrito na filosofia de Nietzsche como sendo o do “homem superior”. Papel que em nada se identifica com os conceitos fascistas, onde os critérios que legitimam as praticas, ou julgam o sujeito da ação, encontram-se arraigados numa visão particular,  na maioria das vezes, influenciada por temores e fantasmas, que passam por xenofobias, segregacionismos raciais ou pânicos de todas às espécies,  cristalizados em modelos majoritários de poder. Os sujeitos e as ações políticas não são corretas porque se revelam adequados a padrões específicos ou a uma ética universalizante, mas quando expressam uma tensão capaz criar condições para a transformação das relações de poder que constituem os modelos majoritários. Borrando as fronteiras e confundindo as linhas divisórias,o politicamente correto deve afirma-se por sua capacidade de subtrair as singularidades que circulam nos territórios estabelecidos e as articular nos planos subjetivos, sociais e ambientais de forma a libertar todo o potencial de criação da multiplicidade e do devir político ali presente.

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