segunda-feira, 7 de março de 2011

O Rei Solitário nas Terras de Momo

 

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Nunca tinha parado para refletir sobre a vida dos “animais”. Digo, esses seres sem qualquer humanidade, que trazem no corpo a marca da irracionalidade. Quando fiquei sabendo que o último livro de Saramago foi um tratado acerca da vida de um “elefante”, pensei o que teria feito o escritor português, nos últimos dias de sua vida literária, diga-se de passagem, iniciada tardiamente, se debruçar sobre um tema, aparentemente, tão distante de minhas emoções.

Até que chegou este último carnaval. Digo isso não no sentido cronológico, mas na temporalidade “brechtiana” do “gestus”, que inaugura um tempo de urgência onde podemos ver surgir a intensidade de um presente, na dimensão última do “tarde demais”. Sem esforço, eis que surge ao longo das caminhadas solitárias pelas ruas do Rio, a imagem do “Rei dos Animais”. Já que a tendência da espécie que se arroga estar acima de todas as outras, frutifica a soberba impressão de realeza, fico com a figura do felino que é tido como habitante do topo de todas as espécies sem letras, cultura ou memória.

A vagar na confusão decretada pelas chaves do rei gordo e bufão, foi possível iniciar uma tentativa de ponte aproximativa que nos levasse a  esse tão distante reino, de cujo o chefe pouco sei, a não ser que ele representa o resultado de uma unanimidade sobre a qual tenho total desconhecimento, que o fez acima de todo o resto do seu reino. Ao contemplar a horda que caminha ao longo das ruas que se tornaram o palco dos dias de momo, sigo na intensão aproximativa que visa reunir mundos tão distante. Seria bom encontrar uma primeira conexão que nos levará adiante em nosso devaneio. Falo da dificuldade de se tornar rei ao logo das empreitadas de conquistas de um território que se abre como reino ou lugar de soberania. Logo, imaginei como teria sido a transição para a realeza do bichano, envolto na competição com os de sua espécie. A constatação a seguir, elencou como fundamental a capacidade de fazer sobressair a essência individual, cujos traços são compartilhados com as demais criaturas do reino, que haveria de se materializar como suprema. Nesse momento, surgiu a dúvida inerente a um conhecimento ufanista que despreza o estar a par de todo o processo que não seja o seu, de como se daria a construção do espaço da realeza, considerando que ele é ocupado por seres iguais da mesmo horda. Haveria espaço para todos os que pretendiam se proclamar alteza? Esta auto denominação pareceu-me complicada, uma vez que tal superioridade depende do reconhecimento dos que se portarão como súditos. Imediatamente, veio-me a mente o processo das monarquias do mundo antigo como exemplo e mesmo as do atual oriente médio, tão estampadas nas manchetes de nossa gazeta terceiro-mundista. Seres equivalentes, ocupando posições hierárquicas distintas.

Como facilitador de tal abordagem tentei traçar um paralelo entre o reino dos animais sem linguagem e o mundo dos animais da internet, no que tange a existência, em ambas as realidades, da diversidade de espécies. Não seria o reino dos ditos humanos portador desta variedade de espécies vistas no mundo dos bichos que não falam, mesmo que a diferença seja demarcada por vias culturais, sociais, econômicas ou políticas? Achei, assim, uma equivalência: corpos desejantes por um território de onde se possa proclamar a conquista; no caso dos animais de cérebro grande, o espaço onde a individualidade grita por um eu. A partir daí, tentei evocar o legítimo direito de trafegar sozinho por entre as turbas de foliões enlouquecidos, com o firme propósito de estabelecer um lugar onde gritaria por minha soberania. Não sem muito esforço senti-me impelido contrariamente a minha quimera, uma vez que se multiplicavam as estratégias coletivas de bando, onde o vai-e-vem solitário decretava a quase impossibilidade de se assumir qualquer direito de realeza. Tentei rechaçar esse sentimento, mas o que estava ao redor insistia em afirmar que só os seres gregários obtinham sucesso nas suas estratégias de conquista da coroa da selva.

Resolvi, então, retirar-me da “savana” e postar-me em um lugar privilegiado de observação, cujos traços da realeza eram estabelecidos a partir de uma mesa bem localizado em um restaurante, banheiro disponível a qualquer tempo e por uma garrafa de “Black label”. De lá podia seguir na reflexão sobre a dura tarefa do rei nos animais. Da paz desse território artificialmente construído, onde a moeda exercia o seu papel de poder, veio-me, imediatamente, a constatação das características fundamentais que compunham o processo de conquista e de reconhecimento coletivo, no espaço de poder da selva. Em primeiro lugar, e não em ordem de importância, ficou claro que o número de dias vividos carecia  estar entre o exato ponto, de onde não tinha se vivido pouco ou muito bastante; nem mais nem menos que o suficiente para se assenhorar da potência que nos eleva acima dos outros da espécie. A seguir veio a conclusão de que fora do espírito de matilha (coletivo aqui utilizado por pura ignorância sobre a etologia dos leões), o tempo decorrido, mesmo que exatamente do ponto de dominância, perdia em importância frente a necessidade da vida coletiva das espécies.

Folia 6

Foi aí que tive saudade dos tempos da tenra juventude e dos currais onde o espaço limitado potencializava as virtudes reais e me perguntei, no mesmo instante, se o rei das savanas africanas não carecia de cercas, mesmo que invisíveis, no interior das quais sua tarefa de ser hegemônico  seria facilitada. De dentro dos limites de meu ponto de observação, os pensamentos, vez por outra, eram interrompidos por transeuntes em busca de um refúgio para darem conta de suas necessidades escatológicas, sem que a visão dos dos corpos feitos organismos, necessitados por aliviar sua angústia fisiológica, ofuscasse o brilho de sua natural vitalidade e esta sem distinção de gênero, diferença que a todo tempo  em que me mantinha fixado na análise da similaridade entre os reinos das feras e dos homens, não passou desapercebida. Mesmo na perspectiva de um macho, a posição das fêmeas nessa incursão eram, senão talvez, o principal objeto de minha atenção. Em bando ou seladas pelas mão de um alfa-dominante, elas circulavam com desenvoltura, desfilando um arsenal de sedução que passava por seus olhares desviantes e indo desembocar nos seus ornamentos cuidadosamente escolhidos para a ocasião. Veio-me a mente a figura da felina, que parte a caça, sem que a imagem do macho real se perdesse de mim. Diferente do que pude absorver pelos inúmeros episódios veiculados por esses canais a cabo, nos quais nos detemos apenas por poucos minutos, no frenético “zapping” do controle remoto, as fêmeas das espécie humana não estão solitárias na arte da caça. Mesmo que de forma, aparentemente, passiva, elas compartilham a responsabilidade da refeição com os pares de cromossomos XY.

Isto posto, fui capaz de estabelecer, senão a única, mas uma diferença fundamental  que coloca os da raça de adão, mesmo que vistos sob a perspectiva de um dia de folia, apartados dos da espécie que não escrevem livros, onde a instintiva luta pela melhor comida e pela manutenção do espaço soberano, dividido com os de outras espécies irracionais, depende da máxima de que o mais forte prevalece. A força no reino dos seres da linguagem é incapaz de ser detectada pelo prisma do puro vigor físico, principalmente quando ele é comprometido pelos neurônios mergulhados em alta doses de álcool. Tomo um gole do “scotch” e pergunto se a vida dos felinos não seria mais desejável do que a deste arremedo biológico tão separado de seus instintos, pela habilidade de se fazer humano. Fica a dúvida da resposta não dada, uma vez que o território subjetivo de observação parece o melhor lugar para se decretar a supremacia de um solitário no carnaval do Rio.

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